URAP conta 25 de Abril aos jovens

Não deixar que a História se apague

Gustavo Carneiro
Para a União de Resistentes Antifascistas Portugueses, URAP, é fundamental contar às gerações mais jovens o que foi o fascismo e o 25 de Abril em Portugal. Para que não sejam esquecidos e para que os ideais da Revolução permaneçam e se desenvolvam. Foi com este objectivo que o núcleo de Setúbal, um dos mais activos, promoveu este ano dezenas de debates em escolas básicas e secundárias. A experiência foi positiva e é para repetir.
Trinta e três debates em 29 escolas do ensino secundário e quatro em escolas do Ensino Básico é o balanço final das comemorações dos trinta anos do 25 de Abril promovidas pelo núcleo de Setúbal da URAP, com o apoio da sua direcção. Em todas estas sessões, estiveram envolvidos perto de 4 mil alunos e 300 professores. Ao todo, foram 26 os resistentes antifascistas que contaram aos jovens, na primeira pessoa, a luta do povo português contra os 48 anos de fascismo. Uma dura luta, com vários protagonistas, vários cenários, várias histórias.
A ideia de não é nova, lembra Américo Leal, do núcleo de Setúbal da URAP e antigo membro do Comité Central e funcionário do PCP na clandestinidade. Desde há mais de 20 anos que, por altura do 25 de Abril, esta associação realiza debates nas escolas. O que se alterou este ano foi a dimensão da iniciativa, bem como a forma como foi organizada. Confinadas normalmente aos concelhos de Setúbal e Palmela, este ano os debates estenderam-se por toda a Península de Setúbal, e também por Lisboa, Alentejo e Viseu.
Mas não foi por acaso que se procurou fazer algo maior em 2004, conta Américo Leal. O interesse que a data despertou, esperado por se comemorarem os trinta anos do 25 de Abril, e o entusiasmo criado em torno das comemorações do ano anterior, no núcleo da URAP e na Junta de Freguesia de São Sebastião, a maior de Setúbal, foram factores determinantes.
No ano passado, a Junta convidou o núcleo a fazer debates em todas as escolas da Freguesia, tendo assinado um protocolo com a URAP. Américo Leal recorda o sucesso da iniciativa. «Chegámos a fazer quatro sessões por escola», lembra com satisfação.

Uma situação excepcional

Embalado pelo sucesso dos debates de 2003, o núcleo estabeleceu, logo em Maio do ano passado, um objectivo ousado: alargar a iniciativa a toda a Península de Setúbal, chegando ao maior número possível de escolas. Aprovada a ideia pela direcção nacional da URAP, tudo começou a ser preparado, a começar pelos contactos com todas as juntas de freguesia da Península de Setúbal.
Mas este projecto colocou grandes dificuldades, sublinhou Américo Leal. «Em primeiro lugar, era necessário reunir um conjunto largo de resistentes antifascistas para participarem nas sessões, se possível dois por cada sessão», realça. Para Vítor Zacarias, da direcção nacional da União de Resistentes Antifascistas Portugueses, a elevada idade de alguns dos resistentes – ou não tivesse o 25 de Abril sido há já 30 anos – dificultou um pouco a tarefa, sobretudo porque muitos não queriam participar. Mas conseguiu-se reunir vinte e seis oradores para os debates, todos eles perseguidos, presos ou exilados devido à falta de liberdade e à repressão fascista.
A acompanhar os oradores, um folheto, intitulado «As sementeiras dos cravos de Abril», era distribuído aos estudantes e professores que assistiam aos debates. O objectivo era fornecer conhecimentos que complementassem as intervenções do debate e que ficassem para além dele.
Américo Leal e Vítor Zacarias são unânimes em considerar que a iniciativa foi um sucesso. Mas reconhecem que o facto de se comemorarem 30 anos, e a inesperada «ajuda» da direita, com a provocatória campanha «Abril é Evolução», criaram este ano condições que dificilmente se repetirão tão cedo. «Há que se realista», conclui Américo Leal. Mas para o ano, prometem, lá estará a URAP, nas escolas, a explicar aos jovens o que foi o fascismo português e a Revolução que o derrubou.

Contar a resistência na primeira pessoa

Para Vítor Zacarias, dirigente nacional da URAP, é fundamental que os jovens fiquem a saber como se vivia em Portugal antes do 25 de Abril e o que foi a Revolução portuguesa. Sobretudo num momento em que, assegura, muitos pretendem apagar a memória e o significado deste período da história recente portuguesa.
«O nosso papel foi extraordinário», afirmou o dirigente da URAP, referindo-se aos debates realizados este ano nas escolas. Na sua opinião, os testemunhos que os resistentes deixam aos jovens estudantes são marcantes e acabam inclusivamente por suprimir lacunas dos professores e mesmo dos próprios programas escolares, que raramente abordam este período. E quando o fazem, recorda Vítor Zacarias, é «apenas pela rama», já que os programas são extensos e os capítulos sobre a história recente do País, onde naturalmente cabe o fascismo e o 25 de Abril, vêm no fim.
Mas os anos passam por todos – o 25 de Abril foi já há 30! – e também pelos resistentes. Para Vítor Zacarias, esta passagem dos anos leva inevitavelmente à diminuição do número de pessoas capazes de contar aos mais jovens, na primeira pessoa, a ditadura e a Revolução, o que lamenta.
Américo Leal concorda e realça a importância de fixar essas memórias, para que não se percam. Foi com esta mesma preocupação que a URAP editou, em parceria com a Junta de Freguesia de São Sebastião, um livro com 40 relatos acerca do fascismo, oferecido às escolas onde se realizavam os debates. Para o membro do núcleo de Setúbal, com esta obra tentou-se dar uma visão «o mais abrangente possível» do fascismo, já que os relatos abordavam diferentes situações: a repressão, a opressão, a miséria, as prisões, as torturas, a exploração e a vida difícil nas grandes empresas, etc.
Formar outras pessoas, mais jovens, para prosseguirem com o esclarecimento pode ser outra das formas de guardar a memória, aponta Américo Leal. A ideia surgiu já este ano, a propósito das visitas ao forte de Peniche – um dos mais famosos cárceres fascistas – realizadas por iniciativa de várias escolas. Em muitas das visitas que não passam pela URAP, conta o membro do núcleo de Setúbal, os visitantes «ficam encalhados na exposição de artesanato e pouco mais vêem». Daí ser necessário, considera, que alguém oriente as visitas. «O nosso objectivo, conclui, é que não se perca a história e o que ela nos diz.»


Mais artigos de: Temas

O desencanto e a esperança

Aquelas imagens emocionaram-me. A RTP 2 transmitia um documentário sobre o 25 de abril (1). Foi inesperado. Cineastas estrangeiros famosos falavam do choque recebido há 30 anos quando desembarcaram em Portugal onde a luta de classes estava nas ruas numa revolução que os deslumbrou. Chegavam da França, do Brasil, da Suécia, da Alemanha, dos EUA, da União Soviética. Aquilo que viam e sentiam tinha toques de situação extra terrestre. Os cravos na boca dos fuzis, o povo a confraternizar nas cidades e nos campos com um exército que semanas antes estava ainda atolado na guerra colonial. O vendaval revolucionário soprava num país no qual o povo voltava a ser sujeito da história após quase meio século de ditadura fascista. Aquilo existiu. Aquele Portugal foi real.

Durão, Portas <br>e a poluição, muita poluição...

Na sua ida ao Parlamento na passada quinta-feira, Durão fez questão de falar dos navios de combate à poluição, ou seja, disse que o contrato tinha sido assinado. Importa então dizer algo mais do que a simples propaganda governamental.Comecemos então por recordar que os navios agora objecto de contrato, foram os mesmos...

Pela inclusão social

Quem gosta muito de Lisboa sabe, nomeadamente desde a década de 1960/70, que os filhos dos seus habitantes, das camadas mais populares e até médias, têm abandonado a cidade. É uma dor de alma vê-los partir, para habitarem na periferia, na área metropolitana, onde alguns concelhos que eram desorganizados e inóspitos se vêm afirmando e elevando a sua qualidade de vida, num quotidiano interessante que, em muitos aspectos, já ultrapassa Lisboa, em participação, juventude e criatividade.