Região da Grande Lisboa

Desequilíbrios geram desigualdades e degradam qualidade de vida

Eugénio Rosa
Contrariamente ao que se poderá pensar, as desigualdades não se verificam apenas entre as grandes regiões do nosso País (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve). Mesmo no interior das regiões mais desenvolvidas de Portugal, como é o caso da Grande Lisboa, as assimetrias entre os diversos concelhos são muito grandes, gerando profundas desigualdades, degradação da qualidade de vida das populações e aumentando a exclusão social, de que os aspectos mais visíveis são o crescimento do desemprego, o aumento da pobreza e dos sem abrigo.
Fazer uma análise a um nível mais detalhado (microregional) torna-se necessário para compreender fenómenos sociais que de outra forma ficam ocultos.
Na região da Grande Lisboa, existem concelhos em que a população está a diminuir de uma forma rápida, outros em que tem crescido significativamente, e ainda outros em que a população está a caminhar para a estagnação. Este aumento desigual da população é simultaneamente uma consequência e fonte de desigualdades económicas e sociais existentes no interior desta região, como se mostrará neste estudo.
Entre 1991 e 2001, a população do concelho de Lisboa diminuiu em 98 737 habitantes (-14,9%), passando de 663 394 para 564 657, enquanto a população do concelho de Sintra aumentou em 102 798 (+39,4%), pois passou de 260 951 para 363 749 habitantes. Por outro lado, durante o mesmo período, o concelho de Cascais viu a sua população aumentar em 17 389 habitantes; a população do concelho de Loures aumentou em 6916 habitantes; a de Mafra em 10 627; a de Oeiras em 10 786; a de Vila Franca Xira cresceu em 19 337; a de Odivelas aumentou em 3 832 habitantes, e a população da Amadora diminuiu até em 3832 habitantes.
A perda ou a expulsão continua de população do concelho de Lisboa determina que este concelho, para manter o seu crescimento, necessite cada vez mais de recorrer a população que não reside no próprio concelho, o que gera, por um lado, fortes dependências e subordinações em termos de desenvolvimento no interior da Grande Lisboa em beneficio do concelho de Lisboa e, por outro lado, grandes movimentos populacionais pendulares diários que, na ausência de um sistema articulado e eficiente de transportes, estão a provocar a degradação crescente da qualidade de vida das populações.

63 % dos trabalhadores de Lisboa residem noutros concelhos

De acordo com o estudo do INE «Movimentos Pendulares e Organização do Território Metropolitano – Área Metropolitana de Lisboa», publicado no ano de 2003, «em 2001, entravam diariamente em Lisboa cerca de 325 000 activos empregados residentes noutros concelhos. Cerca de 63% dos indivíduos que trabalhavam em Lisboa residiam noutros concelhos» (pág. 46).
Destes 325 000 activos dos outros concelhos que se deslocavam diariamente para o concelho de Lisboa, 0,5% estavam empregados no sector primário, 16,7% no secundário e 82,8% no sector terciário.
A repartição por sectores de actividade económica dos activos totais empregados no concelho de Lisboa, portanto incluindo igualmente os que residiam neste concelho, era a seguinte em 2001 (pág. 46 do referido estudo do INE):
- Sector primário: apenas 32,7% dos activos empregados neste sector residiam no concelho de Lisboa e 67,3% nos outros concelhos;
- Sector secundário: somente 33,1% dos activos deste sector residiam no concelho de Lisboa e 66,9% nos outros concelhos;
- Sector terciário: apenas 38% dos activos empregados neste sector residiam no concelho de Lisboa e 62 % nos outros concelhos.
Em resumo, o concelho de Lisboa depende para o seu desenvolvimento cada vez mais de trabalhadores que residem nos concelhos que o envolvem e que se deslocam diariamente a Lisboa, regressando no fim do dia ao seu concelho de origem.

Residentes em outros concelhos
produzem maior parte da riqueza


Em 2004, prevê-se que o PIB por empregado em Portugal atinja os 26 700 euros. No entanto, segundo o INE, em 2001, o PIB per capita da Região de Lisboa e Vale do Tejo, onde se insere a Grande Lisboa, era superior à média do País em cerca de 26%. Majorando o valor obtido para o PIB per capita do País para 2004 – 26 700 euros – com esta percentagem - + 26% - obtém-se 33 642 euros.
É este o valor que se vai utilizar para calcular o PIB do concelho de Lisboa, embora correndo o risco de pecar por defeito, pois o PIB per capita de Lisboa é certamente superior ao da Região de Lisboa e Vale do Tejo.
Fazendo os cálculos necessários obtém-se o valor de 16 821 milhões de euros para o PIB do concelho de Lisboa em 2004, sendo 10 597 milhões de euros criados pelos trabalhadores que residem em outros concelhos, e apenas 6224 milhões é que corresponde à riqueza criada por trabalhadores que residem no concelho de Lisboa.
Para além disso, uma parcela significativa das remunerações recebidas pelos trabalhadores que residem nos outros concelhos mas que trabalham em Lisboa é gasta neste concelho, contribuindo para a dinamização da sua actividade económica.
Assim, de acordo com o inquérito feito pelo INE à aplicação das receitas das famílias portuguesas conclui-se que na região de Lisboa e Vale do Tejo as famílias gastam do seu orçamento as seguintes percentagens nas rubricas seguintes: - Alimentação: 17,9%; Bebidas: 2,5%; Vestuário: 6,3%; Transportes: 15,1%; Comunicações: 3,6%; Hotéis, restaurantes, cafés e similares: 11,1%.
Estas rubricas totalizam cerca de 56,5% das despesas das famílias. Admitindo que cerca de dois terços destas despesas sejam realizadas no local em que passam a maior parte do tempo diurno, ou seja, no concelho onde trabalham, conclui-se que cerca de 38% dos orçamento das famílias, que embora residindo fora de Lisboa trabalham na capital, é gasto no concelho de Lisboa, contribuindo para a dinamização da actividade económica deste concelho.
Em 2001, de acordo com dados das contas regionais do INE, a remuneração média na região de Lisboa e Vale do Tejo era de 15 418 euros por ano. Admitindo que esta era a remuneração média também no concelho de Lisboa (em Lisboa deverá ser mais elevada) e actualizando-a para o ano de 2004 (+7%) obtém-se cerca de 16 500 euros.
Multiplicando este valor pelo número dos activos de outros concelhos que trabalham em Lisboa – cerca de 325 000 segundo o INE – obtém o valor de 5775 milhões de euros.
Deste valor, provavelmente mais de 38% é gasto no concelho de Lisboa, o que determina a criação de um mercado suplementar para este concelho por activos que residem em outros concelhos avaliado, em 2004, em pelo menos 2194,5 milhões de euros por ano (440 milhões de contos).
Estes valores, que são meramente indicativos, têm como objectivo chamar a atenção para o impacto extremamente positivo que tem o consumo dos activos que residem nos concelhos que rodeiam Lisboa, mas que trabalham no concelho de Lisboa, no desenvolvimento deste concelho.

Lisboa «exporta» desemprego
para os outros concelhos


Segundo o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), o desemprego registado na região da Grande Lisboa aumentou, entre Abril de 2001 e Abril de 2004, de 71 218 para 93 883, ou seja, cresceu em cerca de 31,8%. No entanto, o aumento do desemprego no concelho de Lisboa foi inferior à média registada na região da Grande Lisboa, pois neste concelho aumentou em 24,8%, enquanto, por ex., no concelho de Sintra cresceu em 35,9%, em Mafra em 99,7%, na Amadora em 40,6%, em Odivelas em 35,4%, e em Vila Franca de Xira em 40,6%.
Como em média mais de 52% da população activa dos concelhos da Grande Lisboa que rodeiam o concelho de Lisboa trabalha na capital (por ex., no concelho de Loures essa percentagem atinge cerca de 56%, no de Odivelas 63%, no de Oeiras 59%), uma parte do desemprego dos concelhos que rodeiam o concelho de Lisboa resulta de despedimentos realizados em Lisboa. E isto porque de acordo com as normas dos Centros de Emprego do IEFP, os desempregados têm de se registar nos centros de emprego dos concelhos onde residem, e não dos concelhos onde trabalhavam e foram despedidos.

Desigualdades e degradação
das condições de vida


Apesar desta importante contribuição dos activos dos outros concelhos para a criação da riqueza do concelho de Lisboa, as desigualdades entre os diversos concelhos desta região são muito grandes.
Assim, de acordo com um estudo do INE publicado em 2002 denominado «Estudo sobre o poder de compra concelhio», o poder de compra médio do habitante do concelho de Amadora correspondia apenas a 57,4% do poder de compra médio do habitante do concelho de Lisboa; o de Cascais a 75,7%; o de Loures a 55,8% do de Lisboa; o de Mafra a 42,8%; o de Odivelas a 45,6%; o de Oeiras a 83,6%; o de Sintra a 58,4%; e o de Vila Franca de Xira correspondia apenas a 52,7% do poder de compra médio do habitante do concelho de Lisboa.
Em resumo, a disparidade de nível de vida mesmo nos concelhos que integram a região da Grande Lisboa continua a ser muito grande.
De acordo com o estudo do INE «Movimentos Pendulares e Organização do Território Metropolitano: 1991-2001», a população activa empregada e estudantes com 15 ou mais anos que todos os dias se deslocam para Lisboa e que regressam aos seus concelhos de origem no fim do dia que, em 1991, já somava 351 846 pessoas, em 2001 subiu para 370 462 habitantes.
De acordo com o mesmo estudo, e como consequência da degradação do sistema de transportes, entre 1991 e 2001 verificou-se uma profunda alteração nos modos de transportes utilizados por esta população que se desloca diariamente para o concelho de Lisboa.
A percentagem daqueles que utilizavam o transporte individual naquele gigantesco movimento pendular que, em 1991, era apenas 24% (24 em cada 100), em 2001 já atingia 44% (44 em cada 100). Em 2001, destes 44% , 39% utilizavam o automóvel como condutor e apenas 5% como passageiro, o que revela a elevadíssimo peso de «um carro uma pessoa» (cerca de 89% dos que utilizam o automóvel como meio de transporte faziam-no sozinhos) o que representa um elevadíssimo custo quer em termos individuais quer sociais e colectivos.
Por outro lado, a percentagem daqueles que utilizavam o transporte colectivo no gigantesco movimento pendular diário na região da grande Lisboa baixou, entre 1991 e 2001, de 51% para apenas 37%. O autocarro, o metro e o eléctrico perderam, no período compreendido entre 1991 e 2001, mais de 13 milhões de passageiros pois, entre 1991 e 2001, a percentagem dos que utilizam estes meios de transportes baixou de 36% para apenas 25%.
Como consequência, o tempo gasto em transportes pela população que se tem de deslocar para o concelho de Lisboa atingiu em 2001, segundo o INE, uma média de uma hora e quarenta minutos por dia, o que significa mais de 8 horas e 20 minutos por semana, o que faz subir uma jornada de trabalho de 40 horas por semana para mais de 48 horas.
Se se juntar a isto o desgaste físico e psicológico provocado por este prolongamento efectivo e significativo da jornada diária de trabalho, junto à poluição que tal deslocação causa assim como todos os problemas de circulação e estacionamento selvagem que provoca a entrada diária em Lisboa de mais de 150 000 viaturas ligeiras, a que juntam as viaturas pesadas que podem circular e despejar mercadoria a qualquer hora do dia mesmo no centro da cidade, sem que ninguém ponha quaisquer restrições ou disciplina a tudo isto, associada a uma política de privilegiar o transporte individual em prejuízo do transporte colectivo, rapidamente se fica com uma ideia do nível de degradação da qualidade de vida a que estão sujeitas não só as populações dos concelhos que rodeiam o de Lisboa mas também a população do próprio concelho de Lisboa.

Outra estratégia
e outro modelo


O modelo de crescimento que tem imperado na região da grande Lisboa é um modelo de crescimento desigual em que o concelho Lisboa tem crescido fundamentalmente à custa do crescimento desequilibrado dos concelhos que o rodeiam, do aumento da dependência da economia dos outros concelhos em relação ao concelho de Lisboa, ou seja, é um modelo de crescimento que tem provocado também a degradação da qualidade de vida das populações dos concelhos que integram a Grande Lisboa, incluindo a do próprio concelho de Lisboa, aumentando as desigualdades, pobreza e a exclusão social.
É urgente uma nova estratégia para a região da grande Lisboa que passa pela substituição deste modelo de crescimento desequilibrado e fragmentado por um novo modelo de desenvolvimento em que Lisboa terá de funcionar como motor de desenvolvimento de toda esta vasta região. Mas de um desenvolvimento equilibrado e integrado, que pressupõe também a desconcentração de serviços e empresas pelos concelhos vizinhos; a fixação efectiva de uma parte crescente das populações, em termos de emprego, nos concelhos de residência, deixando de funcionar os concelhos limítrofes de Lisboa fundamentalmente como concelhos-dormitórios; o desenvolvimento de um verdadeiro sistema de transportes colectivos baseado no metro mas a funcionar articuladamente com os outros modos de transporte, à semelhança do que se verifica nas grandes cidades europeias; a redução drástica do transporte individual como transporte dominante, o que exige um transporte colectivo de qualidade que actualmente não existe. Ou seja, é necessário substituir o actual modelo por um modelo que determine o aumento da qualidade de vida de todas as populações desta importante região do País e o desenvolvimento equilibrado e integrado dos diversos concelhos que o compõem.
Tudo isto determina a assunção pelo concelho de Lisboa de uma responsabilidade e de uma nova estratégia, que teria de ser articulada com a dos outros concelhos da região da Grande Lisboa, que actualmente não existe mas que é cada vez mais urgente que seja debatida e implementada.


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