Odete Santos, deputada do PCP

As mentiras do Governo

A Lei das Rendas vai provocar um «terramoto social», alerta Odete Santos. A deputada do PCP desmente as supostas preocupações sociais do Governo e clarifica a nova legislação e as suas consequências.
Odete Santos defende que a precarização e a liberalização das rendas não vai conduzir à dinamização do mercado de arrendamento. Se não existe um limite para as rendas ou uma renda de referência, o senhorio pode pedir rendas muito elevadas e «o inquilino fará o raciocínio – que até agora já fazia – que é melhor comprar uma casa, porque a prestação é mais ou menos igual ao valor da renda».
«Falam em devolver as cidades aos jovens, mas um jovem tem lá dinheiro para pagar as rendas que se adivinham, com o desemprego e os baixos salários que temos! Já hoje não tem», afirma.
A deputada comunista admite que existem rendas baixas, mas considera que é preciso encontrar um valor justo. «E isso não se faz com as propostas do Governo. A maioria dessas casas estão degradadas, muitas não têm casa de banho ou cozinha e estão alugadas a pessoas idosas, com reformas baixas. Ainda hoje há casas que só têm uma pia e não podem exigir por essas casas rendas altas, mesmo que seja no centro da cidade.»
Os inquilinos são transformados em contratados a prazo e a habitação numa mercadoria que se põe no mercado de arrendamento a preços especulativos. «O direito à habitação é fundamental e está consagrado na Constituição», lembra.
A nova lei está completamente do lado do senhorio e o suposto sistema de autonomia da vontade das partes – que o Governo diz que dará plena liberdade contratual para as partes chegarem a acordo – é um embuste, porque a última palavra cabe sempre ao senhorio. A lei define mesmo que o senhorio não pode renunciar à aplicação da nova lei. Ou seja, não há liberdade contratual.
«Tudo isto está gizado para facilitar os despejos de variadas maneiras, mesmo que o senhorio não tenha facilidade em pagar as indemnizações dos despejos. Por trás estão os especuladores imobiliários que facilmente comprarão essas casas, resolvendo o problema do senhorio, e tratarão de despejar os inquilinos», declara Odete Santos.
Os motivos de despejos enunciados na lei são genéricos. Fala-se apenas em «qualquer justa causa» e apresenta-se alguns exemplos. É provável que os tribunais possam a tomar decisões muito diferentes em relação a casos semelhantes.
Mas há outras formas de despejar facilmente um inquilino. Basta que este faça uma obra que não seja considerada urgente sem autorização do senhorio. Se a canalização se estragar pode arranjá-la, mas qualquer obra de conservação não autorizada pode levar ao despejo. Os deficientes serão um dos grupos mais visados, pois frequentemente têm de fazer alterações em casa para melhorar a acessibilidade e a circulação.

Senhorio predomina

A palavra do senhorio predomina sempre. Os contratos renovados automaticamente e de duração indeterminada deixam de existir, porque o senhorio pode exigir a casa ao inquilino sem indicar motivo, com um pré-aviso de três anos.
Outro caso: no caso de uma separação de facto antes de ser decretado o divórcio, o senhorio envia a sua proposta ao marido e à mulher. Se estes apresentarem valores diferentes, considera-se que não houve resposta e entra em vigor a renda pedida pelo senhorio. Novo exemplo: se o inquilino pedir um subsídio de renda e não obtiver resposta da Segurança Social em seis meses, tem de pagar a renda pedida pelo senhorio. Quarta situação: a caução paga no início de arrendamento pode ser de seis meses.
Mas a lei não se fica por aqui. «O Governo acha que é um luxo uma família ter um quarto para cada filho se forem do mesmo sexo, que deviam dormir os dois no mesmo quarto. Esta família é penalizada na atribuição do subsídio de renda. Se houver filhos de sexos diferentes já admite que morem num T3. Ou seja, só os ricos é que têm direito à privacidade», comenta Odete Santos.
Também uma família que viva numa casa com muitos quartos é penalizada e pode ser excluída do subsídio. Esta situação é muito comum quando os filhos saem de casa e afecta muitas pessoas. Segundo o INE, 19 por cento dos idosos vivem sozinhos.
Se uma entidade que tenha casas de renda apoiada – normalmente, bairros sociais – e esteja a gastar o mesmo ou mais com o subsídio de renda, a pessoa tem de deixar a sua casa e passar para uma casa de renda apoiada com um contrato a prazo de três anos. «Esses arrendamentos não se transmitem nem ao cônjuge. Ou seja, um inquilino não consegue pagar a renda pedida pelo senhorio, pede um subsídio, o Estado considera-o demasiado alto e ele tem de se mudar para uma casa de renda apoiada com um contrato de três anos», esclarece a deputada. «Se o inquilino morre, a mulher ou o marido não tem direito à transmissão do arrendamento, mas sim a um novo arrendamento. Nessa altura reformula-se a renda. Isto é um escândalo. É uma questão ideológica. As pessoas mais pobres são consideradas quase sem direitos», acrescenta.
Outro logro do Governo tem a ver com os cônjuges das pessoas com mais de 65 anos com arrendamentos anteriores a 1990. «Disse-se que estariam protegidos da denúncia do contrato e das rendas negociadas, mas num debate televisivo, o autor material da legislação, Menezes Cordeiro, afirmou que afinal entram no regime do novo arrendamento, ou seja, pode ser denunciado o contrato e exigir-se-lhe uma renda negociada.»

Rendas congeladas?

Sempre que o Governo se refere às rendas anteriores a 1990 fala em rendas congeladas. «Isso é mentira», diz Odete Santos, porque em 1981 foi publicado um diploma que fixou a existência de contratos de arrendamento com rendas livres ou rendas condicionadas, tendo esta actualizações anuais. Mais tarde, em 1985, durante um governo do bloco central, foi aprovada a lei do aumento das rendas. Os alugueres livres passaram a ser sujeitos a actualizações anuais e são introduzidos os contractos de arrendamento a prazo. Em 1990, o prazo do contrato passou para cinco anos.
«O Governo mentiu e atribui ao congelamento o facto de haver 544 mil fogos desabitados e diz que não são feitas obras devido às rendas “congeladas”. De facto, as rendas congeladas existiram durante o fascismo e depois do 25 de Abril, épocas de crises sociais ou de grandes transformações, mas a degradação não se deve ao congelamento de rendas, uma vez que desde 1981 que isso não existe, mas sim à falta de intervenção e requalificação das zonas degradadas», explica a deputada.
De acordo com um estudo recente, em Lisboa, quase dez por cento dos prédios em mau estado foram construídos ou reconstruídos depois de 1980. «Afinal, muitos destes prédios surgem depois de ser possível a renda livre e a renda condicional, o que mostra que o estado dos prédios não se deve ao “congelamento”», sublinha.


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