A importância do trabalho em Hesíodo

Isabel Araújo Branco
«Bem-aventurado seja o homem que faz a sua tarefa irrepreensível perante os Imortais, conhecendo a forma de interrogar os augúrios e precavendo-se.» Com estas palavras termina Hesíodo Os Trabalhos e os Dias. Quando fala de tarefa dos homens refere-se ao trabalho; quando fala da lei dos deuses, refere-se igualmente ao trabalho, mas a par da aplicação da justiça e do respeito pelo direito. Este é, de facto, o cerne das concepções do poeta. A importância do trabalho prova-se pelas consequências benéficas que são apontadas ao longo da obra, pelo grande número de conselhos práticos de agricultura dados pelo autor e pela sua íntima relação com a justiça.
A época do poeta é caracterizada por «fadigas e trabalhos», mas nada comparado com o que acontecerá no futuro, quando não se respeitar «a fidelidade ao juramento, nem a justiça, nem o bem, mas antes se há-de honrar o autor de ruins acções e o insolente». Nessa altura, os homens perderão a consciência e a equidade e ficarão apenas com «duros sofrimentos» e «contra o mal não haverá remédio».
O texto sugere que, se os homens seguirem os conselhos de Hesíodo, este futuro não se concretizará. O trabalho e a justiça são os pilares fundamentais da sua teoria, logo, se forem realidade, não haverá espaço para a injustiça, o mal e o desrespeito pelos outros. Esse futuro, a concretizar-se, corresponde ao regresso do homem ao mundo animal, como é sugerido pelo autor com a fábula do gavião e do rouxinol, onde a lei do mais forte manda. Isso acontece no mundo animal, não deveria acontecer na sociedade humana, pois é exactamente o direito que os distingue. Ou deveria distinguir, porque, seguindo os casos apresentados pelo autor – dos «reis comedores de presentes» aos juízes injustos –, a civilização é marcada por imensos casos de desrespeito pelo direito e pela justiça. O que nos distingue, então, dos animais? «Insensato é aquele que pretende haver-se com mais forte do que ele: furtar-se-lhe-á a vitória e à vergonha se acrescentarão as dores», diz o gavião para o rouxinol que leva preso nas garras. Hesíodo e outros camponeses não se queixam do mesmo? A injustiça e a lei dos poderosos não é a que rege o seu mundo? São, pois, os homens como os animais? Não são, mas exactamente por muitas vezes agirem como tal e não seguirem as leis divinas de respeito pelo direito, parecem-no e correm o risco de se converterem irremediavelmente em irracionais sem cultura.

Trabalho é sinónimo de virtude

Hesíodo sublinha que o caminho da virtude é o caminho do trabalho. É árduo e longo, mas, não há alternativa se se quer atingir o bem e a justiça. Além disso, alcança-se o sustento da família e a boa vontade dos deuses, pois estes indignam-se contra «quem vive inactivo e que se assemelha, pelo seu instinto, aos zangões sem dardo que nada fazem e apenas consomem o trabalho das abelhas».
O ócio é mau e vergonhoso; o trabalho é importante e merece admiração. Depreende-se que esta é a forma honesta de enriquecer, pois existe a outra, a ilegítima, a do roubo, da violência e da mentira, a que arrastará os homens para uma época de trevas.
Neste horizonte não é referido o caso dos trabalhadores pobres mas que, por uma ou outra razão, não conseguem enriquecer. Foi o caso do pai do autor que, como ele conta, deixou a sua terra natal, Cime, para ir viver em Ascra, por necessidade: «Não fugia ele à riqueza, nem à fortuna, nem à felicidade, mas à crua miséria que aos homens dá Zeus.» Onde se encaixam, então, estes casos de camponeses pobres mas trabalhadores? Possivelmente, no grupo das vítimas da injustiça e do desrespeito pelo direito, até porque Hesíodo afirma que toda a população é condenada à pena com que um mau governo é castigado: «Os que só amam a desmesura e as pérfidas acções, o Crónio, Zeus do largo olhar, lhes vota um castigo. Não raro a cidade inteira partilha a sorte do ruim que faz o mal e trama criminosos projectos.»
O trabalho, pois, é uma obrigação dos homens imposta pelos deuses. Também a justiça o é e simultaneamente uma das formas de a aplicar é trabalhar, respeitar o trabalho e o fruto do trabalho dos outros e aplicar o direito nos conflitos entre os homens levando em conta estes valores divinos. Não é apenas por serem ditados por Zeus que eles devem ser respeitados, mas igualmente por conduzirem a uma sociedade justa, honrada e harmoniosa.


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