A denúncia

Henrique Custódio
O iraquiano Iyad Allawi deu uma entrevista ao jornal britânico The Observer e nela declarou, sem tergiversações, que os abusos aos direitos humanos no Iraque são hoje tão terríveis – ou mais – como eram durante a governação de Saddam Hussein.
Concretamente, afirmou que «as pessoas estão a fazer o mesmo que no tempo de Saddam, e pior», especificando que «ouvimos falar de polícia secreta, de bunkers secretos onde as pessoas são interrogadas, muitos iraquianos são torturados ou mortos no decurso de interrogatórios. Assistimos mesmo a tribunais de sharia baseados na lei islâmica que estão a julgar e a executar pessoas».
Acontece que Iyad Allawi não é um iraquiano qualquer: sendo um xiita secular, foi também o primeiro chefe de Governo escolhido pelos EUA após a invasão do Iraque, o que o coloca na insofismável situação de «homem dos norte-americanos», pelo menos no período inicial da ocupação do Iraque.
Foi. aliás, como diligente marioneta dos invasores que Allawi, enquanto primeiro-ministro, defendeu inflamadamente a pena de morte e mão dura para os «insurrectos» que se opusessem à pax americana.
Allawi também acusa os xiitas (que os norte-americanos privilegiaram no poder actual) de serem responsáveis pela existência de esquadrões da morte e centros secretos de tortura, advertindo que se nada for feito para desmantelar as milícias que continuam a operar com impunidade, «a doença que infecta [o Ministério do Interior] vai tornar-se contagiosa e espalhar-se a todos os ministérios e estruturas governamentais», denúncia que tem a credibilidade suplementar de vir de um membro da mesma etnia, o que leva a admitir que Allawi, sendo xiita e ex-primeiro-ministro a mando dos EUA, deve conhecer por dentro o que agora publicita.
O facto de Allawi ser um manifesto oportunista (começou por se atrelar entusiasticamente ao «carro dos vencedores», de quem foi diligente «primeiro-ministro», para desembocar na «oposição mitigada» de uma coligação que se vai apresentar às eleições de 15 de Dezembro próximo, quando os EUA o trocaram por outros serventuários) não impede que este seu testemunho tenha o peso e a gravidade das denúncias feitas a partir de dentro dos acontecimentos e com manifesto «saber de experiência feito».
O seu testemunho confirma - agora também por dentro dos próprios meandros do poder iraquiano orquestrados pelos EUA – o que nem a informação ultra-vigiada sobre o Iraque consegue já negar ou iludir: a invasão, o derrube do regime de Saddam e a ocupação militar não apenas instalaram o caos no Iraque, como já fizeram mais vítimas inocentes que as atribuídas ao regime deposto, semearam o terror indiscriminado e a insegurança generalizada, lançaram toda a população no desemprego estrutural, liquidaram o Estado e o seu papel regulador da sociedade, promoveram as mais descontroladas rivalidades étnicas, religiosas e tribais, abriram o caminho à guerra civil e à secessão territorial de uma das mais antigas culturas do mundo e, finalmente, instalaram no país e na região não apenas o extremismo islâmico que alegadamente a invasão combatia, mas o mais vasto e propício «quartel-general» do terrorismo fundamentalista que, abundantemente, ameaça e aterroriza o mundo Ocidental.
E tudo isto porque o bando de venais que agora detém o poder nos EUA quis, simplesmente, garantir para si o controle do petróleo que jorra no Iraque e na região...


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