«A coragem de elogiar»

Francisco Silva
«A coragem de elogiar» é o título de um dos 110 textos de crónicas que fazem parte da colectânea «Crónica Feminina», da autoria de Inês Pedrosa. Ofereceram-me este livro por ocasião do último Natal, sabendo que eu há tempos o tinha debaixo de olho para o ler.
Com efeito, neste caso, em vez de ter de adquirir todas as semanas durante mais de dois anos os montões de papel do semanário onde aqueles textos vieram publicados, posso agora ler uma escolha de textos realizada pela autora para esta publicação. Fica-se deste modo com a vantagem - também com o afastamento no tempo - da segurança de que os assim filtrados textos representam aquilo que Inês Pedrosa achou digno de ser publicado neste livro.
Inês Pedrosa escreve quase à cabeça do texto que «sofremos de um déficit crónico de elogios que parece estreitamente ligado ao nosso misterioso déficit de produtividade». Em seguida refere que os estrangeiros costumam mostrar a sua estranheza pelo facto de se produzir menos por cá, enquanto os portugueses «passam mais horas no emprego do que os trabalhadores dos países mais produtivos». Logo aqui a forma como a autora escreve sobre o que dizem os estrangeiros é reveladora da forma como já está a encaminhar-se para a «sua» resposta. Isto é, para além - pelo menos nesta particular questão - da sua superficialidade, para não lhe chamar profunda ignorância, de implicitamente achar que a «produtividade do processo produtivo» é fundamentalmente determinada pela «soma das produtividades de cada um dos trabalhadores», Inês Pedrosa refere-se ao tempo que os trabalhadores «passam» no emprego, ecoando, sem o referir explicitamente, o conhecido brado: «vão trabalhar, malandros».
Chega mesmo a afirmar que a resposta «oficiosa» (?) àquela questão dos estrangeiros «é todo um enredo que começa nas más condições laborais e acaba na pobre retribuição salarial». E acrescenta que «sim tudo isso existe, tudo isso é triste, tudo isso é fado - mas na raiz de todas essas tristezas do destino está a nossa incapacidade de dar valor ao trabalho alheio».
Depois ainda faz uma digressão pela ronha dos portugueses - e os exemplos dados referem-se exclusivamente a situações de trabalho. Não sabe ela que a ronha é uma qualidade bem distribuída um pouco por toda a parte, como podem testemunhar os que têm vivido e trabalhado por aí fora? O sucedido comigo, por exemplo, que a vida tem levado a trabalhar com grande frequência com naturais de outros países europeus e não europeus.
Com efeito, já lá vão uns anos largos, quando estive empregado nos laboratórios de I&D de uma grande empresa fabricante da área das telecomunicações (também na electrónica de consumo, na electrotecnia, nos satélites, etc), saído de fresco do Instituto Superior Técnico. Maçarico, os meus colegas avisaram-me logo para não trabalhar tão depressa; que deixasse coisas para fazer nos sábados a uma tarifa melhor, sempre ajudava a arredondar os salários. Os períodos das festas do fim de ano eram bem regados a cerveja - ainda me lembro de um a cair no chão quando entrava no laboratório ao princípio de uma tarde, sem se ter nas pernas! O número de feriados e pontes, então, não tem comparação com os cá do burgo. E falo da Alemanha, a tal da Deutsche Technologie, porque foi durante muito tempo um exemplo recorrente de onde «realmente» se trabalha a sério por comparação com os ronhas dos portugueses.
Entretanto, tive também a oportunidade de trabalhar, quase sem hiatos temporais em convivência com pessoas de diversos países, e não apenas alemães, na Alemanha e também noutros países, durante largos períodos, tendo cada vez mais firmado as ideias acima referidas. Contudo, muitos outros testemunhos poderão ser recolhidos. E poderão dar origem a trabalhos de investigação, incluindo de investigação jornalística, né?
Agora, na verdade as questões dos diferenciais de produtividade estão noutros argumentos, tal como tanto se tem dito e redito. E se sabe em termos quantitativos. São os processos produtivos, os processos de funcionamento das empresas, que podem ser tornados mais eficientes. São, em particular, os custos da energia, não apenas os custos do seu aprovisionamento, mas também a eficiência com que ela é utilizada nos processos. É o subaproveitamento das capacidades de trabalho, empregues em tarefas de pouca valia. Etc.
De qualquer forma, esta da falta de elogios ser determinante para a resolução dos problemas de produtividade no nosso tecido económico e social é que não entra mesmo na minha cabeça.


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