O espanto e o reconhecimento do público
«Todos os sítios são, se quisermos, teatros. Todos os teatros são espantos». As palavras são de Artur Portela, ditas em 11 de Janeiro, no funeral de Artur Ramos, militante comunista e destacada figura da cultura, cuja memória foi evocada num painel de grandes dimensões exposto na entrada do Avanteatro.
Espectáculos
Há 20 anos, os comunistas da Célula do Teatro quiseram fazer da Festa também um teatro, provocando espanto não só a todos os que não imaginavam que tal fosse possível, mas sobretudo às muitas dezenas de milhares de visitantes que, desde então, têm lotado os diversos recintos erguidos anualmente para o efeito.
O primeiro Avanteatro realizou-se na Festa de 1986. Até esse ano, a participação de companhias de teatro era inserida noutras iniciativas já que havia fortes argumentos que desaconselhavam a criação de uma espaço próprio.
Numa entrevista ao nosso jornal, publicada em Junho de 2000, Manuel Mendonça, director de palco desde o primeiro dia do Avanteatro, (tarefa que hoje continua a desempenhar com entusiasmo) recordou as discussões acaloradas sobre a viabilidade do projecto, designadamente devido ao excesso de ruído e à entrada livre dos visitantes.
«Para nós tratava-se de um envelope fechado. Ninguém sabia como o público da Festa iria reagir e havia naturais receios de que a experiência pudesse não resultar. No entanto, para surpresa de muitos, o êxito foi tal que as primeiras páginas dos jornais de segunda-feira davam conta das filas intermináveis que se formaram à porta do Avanteatro. Foi uma coisa espantosa numa altura em que se falava muito da crise de público que atingia os teatros em todo o país».
Sem poder proporcionar aos actores e ao público a pureza laboratorial de uma verdadeira sala de espectáculos, o Avanteatro afirmou-se nestas duas décadas como uma referência na vasta oferta cultural da Festa, penetrando transversalmente o universo dos seus visitantes, abrangendo a sua pluralidade geracional, étnica, cultural e social.
Esta heterogeneidade, dificilmente observável na maioria dos eventos culturais do País, é uma das características únicas da Festa do Avante! e está patente, com igual evidência, na plateia do Avanteatro - espaço de total liberdade, tolerância e respeito, aberto a todos para que cada um possa fruir dos espectáculos de acordo com a sua disponibilidade, interesse ou simples curiosidade. É este o espírito da Festa, é este o espírito do Avanteatro.
Por isso, as suas portas nunca se fecham, mesmo quando a lotação está esgotada. E são muitos os que por ali passam, fazendo uma curta escala na caminhada, apenas para espreitar o vai no palco.
É certo que, para além do som da Festa que atravessa as finas paredes de tela do pavilhão, o constante burburinho e rotatividade da plateia constitui um factor adicional que afecta a concentração dos actores e prejudica a fruição do espectáculo.
Contudo, revelando uma compreensão das circunstâncias praticamente sem limites, actores e público unem esforços numa cumplicidade rara, prosseguindo uns com improvisos imaginativos, agradecendo os outros com a sua presença maciça e ovações que transbordam de emoção. Haverá maior prova de respeito e reconhecimento pelo trabalho dos actores?
Um programa diversificado
A edição deste ano apresentou mais uma vez uma programação de indiscutível qualidade, que combinou propostas inovadoras e ousadas - caso da peça «Ibérica, a Louca História de uma Península», do Peripécia Teatro, ou do espectáculo de dança «Ponto de Fuga», criado por Rita Judas - com representações de clássicos, de que foram exemplo o texto vicentino «O Velho da Horta», levado à cena pelo Teatro Ágil, ou de «Felizmente há Luar», de Luís de Sttau Monteiro, encenado pela Companhia de Teatro A Barraca, que testemunhou a maior enchente de público deste ano e, certamente, uma das maiores de sempre.
Se as manhãs foram consagradas aos mais pequenos, que se divertiram e pensaram com as peças do Teatro de Marionetas e do Teatro Extremo, as tardes foram marcadas por dois interessantes documentários: «Lisboetas», de Sérgio Tréfaut, que penetra no submundo dos imigrantes da capital, e «Natureza Morta», de Susana Sousa Dias, construído com imagens de arquivo captadas durante os 48 anos de fascismo.
No exterior, pontificaram duas representações da Cooperativa Cultural PIA, seguidas atentamente por uma multidão que formou um círculo em volta dos actores. Associando-se às comemorações do centenário do nascimento de Fernando Lopes-Graça, o Avanteatro encerrou, no domingo, com o Coro de Câmara da Universidade de Lisboa que interpretou 17 canções tradicionais brasileiras, da autoria do compositor e militante comunista.
Os que quiseram prolongar as noites, puderam assistir, no bar, às actuações do quarteto de jazz de Maria João Matos, das «Canções de Victor Jara», com Celeste Amorim, André Santos e Nuno Tavares, e dos tocadores de gaitas transmontanas Roncos do Diabo que fecharam a programação.
O primeiro Avanteatro realizou-se na Festa de 1986. Até esse ano, a participação de companhias de teatro era inserida noutras iniciativas já que havia fortes argumentos que desaconselhavam a criação de uma espaço próprio.
Numa entrevista ao nosso jornal, publicada em Junho de 2000, Manuel Mendonça, director de palco desde o primeiro dia do Avanteatro, (tarefa que hoje continua a desempenhar com entusiasmo) recordou as discussões acaloradas sobre a viabilidade do projecto, designadamente devido ao excesso de ruído e à entrada livre dos visitantes.
«Para nós tratava-se de um envelope fechado. Ninguém sabia como o público da Festa iria reagir e havia naturais receios de que a experiência pudesse não resultar. No entanto, para surpresa de muitos, o êxito foi tal que as primeiras páginas dos jornais de segunda-feira davam conta das filas intermináveis que se formaram à porta do Avanteatro. Foi uma coisa espantosa numa altura em que se falava muito da crise de público que atingia os teatros em todo o país».
Sem poder proporcionar aos actores e ao público a pureza laboratorial de uma verdadeira sala de espectáculos, o Avanteatro afirmou-se nestas duas décadas como uma referência na vasta oferta cultural da Festa, penetrando transversalmente o universo dos seus visitantes, abrangendo a sua pluralidade geracional, étnica, cultural e social.
Esta heterogeneidade, dificilmente observável na maioria dos eventos culturais do País, é uma das características únicas da Festa do Avante! e está patente, com igual evidência, na plateia do Avanteatro - espaço de total liberdade, tolerância e respeito, aberto a todos para que cada um possa fruir dos espectáculos de acordo com a sua disponibilidade, interesse ou simples curiosidade. É este o espírito da Festa, é este o espírito do Avanteatro.
Por isso, as suas portas nunca se fecham, mesmo quando a lotação está esgotada. E são muitos os que por ali passam, fazendo uma curta escala na caminhada, apenas para espreitar o vai no palco.
É certo que, para além do som da Festa que atravessa as finas paredes de tela do pavilhão, o constante burburinho e rotatividade da plateia constitui um factor adicional que afecta a concentração dos actores e prejudica a fruição do espectáculo.
Contudo, revelando uma compreensão das circunstâncias praticamente sem limites, actores e público unem esforços numa cumplicidade rara, prosseguindo uns com improvisos imaginativos, agradecendo os outros com a sua presença maciça e ovações que transbordam de emoção. Haverá maior prova de respeito e reconhecimento pelo trabalho dos actores?
Um programa diversificado
A edição deste ano apresentou mais uma vez uma programação de indiscutível qualidade, que combinou propostas inovadoras e ousadas - caso da peça «Ibérica, a Louca História de uma Península», do Peripécia Teatro, ou do espectáculo de dança «Ponto de Fuga», criado por Rita Judas - com representações de clássicos, de que foram exemplo o texto vicentino «O Velho da Horta», levado à cena pelo Teatro Ágil, ou de «Felizmente há Luar», de Luís de Sttau Monteiro, encenado pela Companhia de Teatro A Barraca, que testemunhou a maior enchente de público deste ano e, certamente, uma das maiores de sempre.
Se as manhãs foram consagradas aos mais pequenos, que se divertiram e pensaram com as peças do Teatro de Marionetas e do Teatro Extremo, as tardes foram marcadas por dois interessantes documentários: «Lisboetas», de Sérgio Tréfaut, que penetra no submundo dos imigrantes da capital, e «Natureza Morta», de Susana Sousa Dias, construído com imagens de arquivo captadas durante os 48 anos de fascismo.
No exterior, pontificaram duas representações da Cooperativa Cultural PIA, seguidas atentamente por uma multidão que formou um círculo em volta dos actores. Associando-se às comemorações do centenário do nascimento de Fernando Lopes-Graça, o Avanteatro encerrou, no domingo, com o Coro de Câmara da Universidade de Lisboa que interpretou 17 canções tradicionais brasileiras, da autoria do compositor e militante comunista.
Os que quiseram prolongar as noites, puderam assistir, no bar, às actuações do quarteto de jazz de Maria João Matos, das «Canções de Victor Jara», com Celeste Amorim, André Santos e Nuno Tavares, e dos tocadores de gaitas transmontanas Roncos do Diabo que fecharam a programação.