Quais os objectivos dos partidos e forças que defendem o «Não» à pergunta do referendo?As forças que se opõem à despenalização da IVG responsabilizam as mulheres por «uma conduta criminosa» e silenciam que são os poderes políticos que têm exercido, de forma continuada, uma forte violência sobre as mulheres através do Código Penal, subalternizando as causas e consequências do aborto clandestino e os cruéis atentados à vida, à saúde e à dignidade de sucessivas gerações de mulheres atiradas para o aborto clandestino.
Recorde-se as declarações do antigo ministro Bagão Félix, que defendeu a criminalização da prática do aborto, mas sem pena de prisão pelo dever da mulher «expiar a sua própria dificuldade moral trabalhando em instituições de solidariedade social a título pedagógico e não a título de castigo».
Estas forças que se opõem agora à despenalização da IVG por opção da mulher até às 10 semanas, são as mesmas que se opuseram à aprovação da lei actual que permite a IVG quando há risco de vida para a mulher, ou malformação do feto, ou quando a gravidez resulta de violações. Elas dinamizaram, ou foram cúmplices das resistências, dos boicotes a que tem estado sujeita a Lei 6/84 e cuja aplicação tem merecido, ao longo dos anos, interpretações restritivas por parte das direcções dos serviços públicos de saúde e com a cumplicidade dos sucessivos governos.
A despenalização da IVG obriga a sua prática?Não. A despenalização do aborto não cria qualquer obrigação aos que, pelas suas convicções religiosas, ideológicas ou filosóficas, não pretendem usufruir dessa possibilidade legal. Cada um pode e deve decidir de acordo com a sua consciência e vontade. A diferença que existe é que, na situação actual, os que não querem a ele recorrer não o fazem. No entanto, as mulheres que decidem fazê-lo são chamadas para o aborto clandestino.
A despenalização do aborto favorece a sua prática?Não. Não vai ser a despenalização do aborto que levará à sua prática. Ela existe e pratica-se todos os dias. O que se pretende é tirá-lo da esfera clandestina para o campo da legalidade e da segurança médica. E criar todas as condições possíveis nos serviços de saúde para que o recurso ao aborto venha a diminuir através da informação e do acesso das mulheres ao planeamento familiar.
A despenalização da IVG vai banalizá-la?Obviamente que não. Quem recorre ao aborto num estabelecimento de saúde, será obrigatoriamente melhor acompanhado pelos respectivos serviços de saúde. A organização dos serviços de saúde é determinante para que tal aconteça. Além do esforço dos profissionais envolvidos nesta área na informação e esclarecimento das mulheres, terá que haver vontade política do Ministério da Saúde, que terá de se traduzir também em dotações financeiras, de forma a que a valência do planeamento familiar seja reforçada.
A utilização deste argumento pelas forças que se opõem à despenalização do aborto a pedido da mulher, assenta na ideia de que as mulheres recorrem ao aborto de forma «leviana». Quem assim argumenta não reconhece à mulher a capacidade intelectual, ética e moral de tomar decisões responsáveis como é interromper uma gravidez e pretendem impor como concepção do Estado a perpetuação da criminalização do aborto em sede de Código Penal.
O referendo não é sobre ser
a favor ou contra o abortoNeste referendo não se toma posição a favor ou contra o aborto. Esta é uma manipulação grosseira do que está em causa e subjacente à pergunta do referendo.
O que está em causa é reconhecer que o aborto clandestino existe e que a lei actual é cruel e injusta para as mulheres e jovens das classes trabalhadoras e das camadas mais desfavorecidas, que são as que se sujeitam a todos os perigos resultantes do aborto clandestino: uso dos circuitos clandestinos e inseguros com prejuízo para a sua saúde, risco de se sentarem no banco dos réus e de serem condenadas.
Mas é, igualmente, injusta esta realidade para todas as mulheres independentes de recorrerem ou não alguma vez a uma interrupção voluntária da gravidez, porque o Código de Trabalho se sobrepõem à sua vontade e ao direito de, em liberdade, decidirem sobre questões da sua esfera privada e íntima.
A realidade mostra que o aborto clandestino existe e que as suas causas decorrem de factores económicos, sociais, afectivos e psicológicos que impedem as condições para uma maternidade consciente e responsável e porque nenhum método contraceptivo é cem por cento seguro e pode acontecer uma gravidez desprotegida, em que a mulher desconhece ou não teve acesso em tempo útil à contracepção de emergência (pílula do dia seguinte).
As mulheres quando decidem recorrer uma gravidez não desejada fazem-no em Portugal e no estrangeiro – independentemente da idade, da classe social, das concepções filosóficas e religiosas ou quadrantes políticos partidários.
A despenalização do aborto não favorece a sua prática: Porque ele existe e pratica-se todos os dias na clandestinidade. O que se pretende é tirá-lo da esfera da clandestinidade pondo fim ao risco de prisão, de investigações e julgamentos e garantindo a protecção da saúde da mulher como recomendam diferentes instâncias internacionais.
Portugal ignora
as recomendações internacionaisA Organização Mundial de Saúde estima que nos países em desenvolvimento se realizam 19 milhões de abortos clandestinos por ano e que morrem 68 mil mulheres em consequência do aborto clandestino.
O Comité das Nações Unidas para a Eliminação das Discriminações contra as Mulheres, na sua sessão de 2002, afirmou: «O Comité está preocupado com as leis restritivas em vigor em Portugal, em particular porque os abortos clandestinos têm sérios impactos negativos na saúde das mulheres e no seu bem-estar».
O Parlamento Europeu, na sua resolução de 3 de Julho de 2003, recomendou: «que, a fim de salvaguardar a saúde reprodutiva e os direitos das mulheres, a interrupção voluntária da gravidez seja legal, segura e universalmente acessível», exortando os governos a «absterem-se, em qualquer circunstância, de agir judicialmente contra as mulheres que tenham feito abortos ilegais».
Julgamentos recentes • Porto – Julgamento na Maia de 17 mulheres acusadas de prática de aborto, num conjunto de 42 arguidos (2002);
• Aveiro – Julgamento de 7 mulheres num conjunto de 17 arguidos (2003);
• Setúbal – Uma parteira e duas mulheres acusadas de prática de aborto (2004);
• Lisboa – Uma jovem é acusada de ter ingerido «misoprostol» (2004).
Risco para a saúde das mulheresAs causas previstas na lei actual para a realização de uma interrupção voluntária da gravidez em meio hospitalar, são muito restritas e muito restritiva tem sido a sua interpretação por parte das direcções dos serviços públicos de saúde. Nos hospitais do continente, entre 2001 e 2005, foram identificadas:
• 2929 interrupções da gravidez ao abrigo da actual lei;
• 28545 entradas em resultado de aborto espontâneo – Segundo a Organização Mundial de Saúde quando os abortos são clandestinos, ou não são relatados ou referenciados como aborto espontâneo;
• 5615 situações por complicações resultantes de aborto clandestino.
Estima-se que, por ano, se realizam entre 20 a 40 mil abortos clandestinos. Sabe-se que nove mil portuguesas se deslocaram a clínicas espanholas, entre 1996 e 2002.
Estudos recentes estimam que uma em cada 200 jovens, entre os 15 e os 19 anos, já abortou e que uma em cada 50 jovens de 19 anos admite ter realizado um aborto.
Fim às condenações das mulheresDesde sempre têm existido processos e julgamentos de mulheres e, igualmente, condenações pela prática de aborto clandestino. As forças que se opõem à despenalização do aborto defendem que não existem condenações – o que não é verdade – para defender a manutenção da actual criminalização.
Mas a verdade é que a existência de investigações, perícias e julgamentos pela prática de aborto representam por si só, um grave atentado contra a dignidade das mulheres.
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