Os convites da «pub»

Correia da Fonseca
Como é sabido, o País está em maus lençóis económicos e financeiros e desse preocupante facto há muitos sinais, indícios, aspectos. Um deles é chamado sobreendividamento das famílias. Nele, o que será mais ameaçador é o que resulta da compra de habitação própria, opção muitas vezes obrigatoriamente tomada por quem, não estando inclinado a ir dormir em bancos de jardins ou debaixo das pontes, sobretudo se decidiu viver essa aventura hoje muito perigosa que é constituir família, se resigna a contrair na banca um empréstimo que virá a liquidar completamente quando chegar à beira da velhice. Se entretanto sobrevier um dia em que não possa pagar a mensalidade prevista (por exemplo, se for atingido pela eufemística flexibilidade laboral e o subsídio de desemprego chegar ao fim, o que vem acontecendo cada vez com maior frequência), o apartamento de onde for despejado e que será de novo posto em venda irá engrossar a «bolha imobiliária» que nos Estados Unidos já está a rebentar e que por cá vai estando cheínha. Mas há outros motivos para o endividamento, desde a compra de um carro capaz de impressionar os vizinhos até à necessidade inadiável de comprar todo o material escolar exigido no princípio do ano lectivo à razão de uns duzentos e tal euros por cabeça, o que não é nada pouco para casal de trabalhadores que tenha cometido a imprudência de encomendar mais de um filho. Porém, entre uma e outra coisa, isto é, entre o carro tão topo de gama quanto possível e a escolaridade dos filhos, está toda uma diversidade de consumos possíveis e geralmente apetitosos. Neste Verão que agora findou, muitas vezes deparámos com convites do género «Viaje agora e pague depois!», o que muitas vezes é lido, inconscientemente ou não, como «Viaje agora e pague se puder!». E é claro que quem fala em viagens pode falar de outros consumos, pois bem se sabe que nas sociedades actuais perpassa semiclandestinamente uma directiva não escrita mas muito seguida, qualquer coisa como «Consumir é preciso, pagar não é preciso». De onde, directa ou indirectamente, o aumento dos créditos de cobrança difícil ou francamente duvidosa de que a banca se queixa pela voz centralizada do Banco de Portugal.

Contudo, ela existe

Ora, acontece que neste cenário que não é nada alegre nem tranquilizador assume um papel de relevo a publicidade em geral e a publicidade na TV em especial. Não toda, sublinhe-se, mas uma boa parte dela. No topo da telepublicidade que está claramente em contra-corrente com o interesse nacional está a «pub» ao crédito fácil, a que informa cada um de nós, provavelmente crivados de carências, que «basta um telefonema e já está!». Seguir-se-lhe-á no imaginário ranking da nocividade a publicidade aos consumos sumptuários ou de necessidade marginal. É claro que as empresas que operam nessas áreas têm de fazer pela vida. Também é claro que a eventual filtragem do recurso à publicidade em função do interesse nacional e da sua defesa levantaria um coro de indignados protestos e acusações de intervenção censória, o que aliás está agora muito na moda a outros propósitos. Contudo, uma coisa parece certa: a questão existe, as famílias estão mesmo sobreendividadas, a importação de artigos de alto preço e consumo de luxo dá uma boa contribuição para o défice da nossa balança de pagamentos. Não se sugere, nem muito menos se recomenda, a censura da publicidade que estimule os consumos contrários ao interesse nacional e até, por vezes, à consciência de uma saudável cidadania. Mas não seria atentar contra a liberdade de expressão o esclarecimento público quanto à publicidade indesejável. Até talvez constituísse uma forma de concorrência, e de concorrência livre. Visando a defesa de nós todos.


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