Sem medo nem vergonha
Maria Inês Araújo é padeira em Mirandela. Mas na sua padaria não se vende só pão, também se vende o Avante!. Começou há uns anos a vender «dois ou três». Actualmente vende 12.
Em Mirandela, a organização do Partido é pequena e a CDU elege apenas um elemento para a Assembleia Municipal, dominada, como os restantes órgãos autárquicos, pelo PSD. Mas nada disto impede Maria Inês de se afirmar comunista.
Muitos clientes vão apenas comprar pão, mas acabam por sair com o Avante!
Quando se entra na Padaria Seramota, na zona antiga de Mirandela, dá-se logo de caras com um molho de Avantes colocado ao lado da balança, entre exemplares de O Militante e folhetos de propaganda do Partido. Emoldurado e exposto na parede está um prospecto do Partido comemorativo do Dia Internacional da Mulher, onde surge uma fotografia de Maria Inês Araújo, proprietária da padaria e militante comunista há mais de trinta anos.
São assim Maria Inês e o marido Acácio, com as convicções bem à vista. «Toda a gente sabe o que nós somos», afirmou Maria Inês. E ambos fazem questão que assim seja. Afinal, acrescentou Acácio, «temos honra e vaidade em seremos comunistas».
É com um sorriso aberto e algum descaramento que Maria Inês desafia os clientes a comprar o Avante!. Sejam eles quem forem. Se alguns, militantes do Partido, vão à sua padaria também com esse objectivo, são muitos mais os que lá vão apenas para comprar pão e que acabam por sair com o jornal debaixo do braço: «A senhora já sabe que sou da sua cor», responde um cliente. «Mais uma razão para comprar», remata Inês estendendo-lhe um exemplar. O cliente acede.
«Ó senhor presidente, não quer um Avante!?», grita a padeira detrás do balcão para um homem que passava na rua. Este entra no estabelecimento, sorridente. Após uma breve mas acalorada conversa sobre a actividade da Câmara Municipal, o homem sai, com o jornal. Ficamos a saber que é presidente de uma junta de freguesia e secretário da Assembleia Municipal, eleito pelo PSD.
«Nunca me sobra nenhum Avante!», diz Maria Inês. Quando não os consegue vender todos, oferece alguns, que paga depois ao Partido.
Para além de vender Avantes, a padeira de Mirandela é frequentemente candidata pela CDU às autarquias e distribui cravos no 25 de Abril. Não falha uma Festa do Avante!, onde tem sempre uma tarefa à sua espera no pavilhão de Bragança.
Sempre que a vida lhe permite ter tempos livres, e é raro permitir, aproveita para alguma «agitação». «No outro dia fomos almoçar fora e levei o Avante! à mostra. É para que saibam que aqui há comunistas.»
Apesar de Mirandela não ter uma forte implantação do PCP (como diz Inês, «são poucos mas valentes os comunistas daqui»), a padeira nunca sentiu hostilidade dos clientes por causa das suas convicções e da forma frontal como as defende. Só por uma vez se lembra de uma cliente ter reagido mal: «Jurou que nunca mais cá entrava, mas a verdade é que pouco tempo depois já cá estava outra vez.»
«Pão comunista não mata»
Maria Inês cresceu na Padaria Seramota. Foi também naquele local que casou com Acácio Araújo e o casal vive num apartamento por cima da loja.
Foi ali, naquele edifício, na Rua de São Miguel, na zona mais antiga de Mirandela, que a sua família abriu aquela padaria, não sabe já há quantos anos. O que sabe é que da trisavó Rosa, a padaria passou para a bisavó Maria da Luz, depois para a avó Ulema e mais tarde para a mãe, Adélia.
No início da década de oitenta, depois de viverem no Porto alguns anos, Acácio e Inês regressaram a Mirandela e compraram a padaria. Hoje, empregam sete pessoas, todas mulheres, que se dividem entre a loja e a fábrica, localizada na zona industrial. Inês passa o dia entre um e outro local e Acácio distribui o pão, grande parte do qual destinado ao fabrico das célebres alheiras.
«É o melhor pão da cidade», diz-nos um cliente. «Já a minha mãe cá vinha. Ainda hoje lhe chama “o pão da Dona Adélia”», completa outro. Para Inês, a qualidade do pão é mesmo uma das razões que explicam o facto de não ter perdido clientes apesar das suas convicções: «Eles sabem que o “pão comunista” não mata, não tem produtos químicos nenhuns.» Na fábrica, Acácio mostra os fornos de tijolo, que funcionam a gás. «Sai mais caro, porque se perde muita energia, mas o pão sai mais saboroso. Foi uma opção.»
Mas não foi só o negócio do pão a passar de geração em geração na família de Maria Inês. O pai, ourives, lia o Avante! clandestino e ajudou a filha a despertar para os ideais do Partido. Acácio e Inês acabariam por aderir ao PCP logo em 1974.
Acácio lembra que a seguir ao 25 de Abril, a ourivesaria do sogro (hoje explorada pelo irmão de Inês) era guardada pela polícia, tal como todas as outras lojas pertencentes a gente suspeita de simpatias comunistas. Eram os cuidados necessários após ter sido incendiada uma tipografia gerida por uma cooperativa de trabalhadores. Na padaria ninguém tocou, talvez por a Dona Adélia nunca se ter envolvido em política.
Durante toda a tarde, Inês, Acácio e a empregada Rosinha não param. Enquanto falam ao Avante!, aceitam encomendas pelo telefone, aviam pão a clientes e mantêm-se em contacto com a fábrica. Por mais de uma vez, Acácio ausenta-se da padaria para fazer entregas e trazer mais algum pão para a loja. O fim da tarde aproxima-se e, com ela, um aumento da clientela, como todos os dias. E a padaria Seramota terá de estar preparada.
São assim Maria Inês e o marido Acácio, com as convicções bem à vista. «Toda a gente sabe o que nós somos», afirmou Maria Inês. E ambos fazem questão que assim seja. Afinal, acrescentou Acácio, «temos honra e vaidade em seremos comunistas».
É com um sorriso aberto e algum descaramento que Maria Inês desafia os clientes a comprar o Avante!. Sejam eles quem forem. Se alguns, militantes do Partido, vão à sua padaria também com esse objectivo, são muitos mais os que lá vão apenas para comprar pão e que acabam por sair com o jornal debaixo do braço: «A senhora já sabe que sou da sua cor», responde um cliente. «Mais uma razão para comprar», remata Inês estendendo-lhe um exemplar. O cliente acede.
«Ó senhor presidente, não quer um Avante!?», grita a padeira detrás do balcão para um homem que passava na rua. Este entra no estabelecimento, sorridente. Após uma breve mas acalorada conversa sobre a actividade da Câmara Municipal, o homem sai, com o jornal. Ficamos a saber que é presidente de uma junta de freguesia e secretário da Assembleia Municipal, eleito pelo PSD.
«Nunca me sobra nenhum Avante!», diz Maria Inês. Quando não os consegue vender todos, oferece alguns, que paga depois ao Partido.
Para além de vender Avantes, a padeira de Mirandela é frequentemente candidata pela CDU às autarquias e distribui cravos no 25 de Abril. Não falha uma Festa do Avante!, onde tem sempre uma tarefa à sua espera no pavilhão de Bragança.
Sempre que a vida lhe permite ter tempos livres, e é raro permitir, aproveita para alguma «agitação». «No outro dia fomos almoçar fora e levei o Avante! à mostra. É para que saibam que aqui há comunistas.»
Apesar de Mirandela não ter uma forte implantação do PCP (como diz Inês, «são poucos mas valentes os comunistas daqui»), a padeira nunca sentiu hostilidade dos clientes por causa das suas convicções e da forma frontal como as defende. Só por uma vez se lembra de uma cliente ter reagido mal: «Jurou que nunca mais cá entrava, mas a verdade é que pouco tempo depois já cá estava outra vez.»
«Pão comunista não mata»
Maria Inês cresceu na Padaria Seramota. Foi também naquele local que casou com Acácio Araújo e o casal vive num apartamento por cima da loja.
Foi ali, naquele edifício, na Rua de São Miguel, na zona mais antiga de Mirandela, que a sua família abriu aquela padaria, não sabe já há quantos anos. O que sabe é que da trisavó Rosa, a padaria passou para a bisavó Maria da Luz, depois para a avó Ulema e mais tarde para a mãe, Adélia.
No início da década de oitenta, depois de viverem no Porto alguns anos, Acácio e Inês regressaram a Mirandela e compraram a padaria. Hoje, empregam sete pessoas, todas mulheres, que se dividem entre a loja e a fábrica, localizada na zona industrial. Inês passa o dia entre um e outro local e Acácio distribui o pão, grande parte do qual destinado ao fabrico das célebres alheiras.
«É o melhor pão da cidade», diz-nos um cliente. «Já a minha mãe cá vinha. Ainda hoje lhe chama “o pão da Dona Adélia”», completa outro. Para Inês, a qualidade do pão é mesmo uma das razões que explicam o facto de não ter perdido clientes apesar das suas convicções: «Eles sabem que o “pão comunista” não mata, não tem produtos químicos nenhuns.» Na fábrica, Acácio mostra os fornos de tijolo, que funcionam a gás. «Sai mais caro, porque se perde muita energia, mas o pão sai mais saboroso. Foi uma opção.»
Mas não foi só o negócio do pão a passar de geração em geração na família de Maria Inês. O pai, ourives, lia o Avante! clandestino e ajudou a filha a despertar para os ideais do Partido. Acácio e Inês acabariam por aderir ao PCP logo em 1974.
Acácio lembra que a seguir ao 25 de Abril, a ourivesaria do sogro (hoje explorada pelo irmão de Inês) era guardada pela polícia, tal como todas as outras lojas pertencentes a gente suspeita de simpatias comunistas. Eram os cuidados necessários após ter sido incendiada uma tipografia gerida por uma cooperativa de trabalhadores. Na padaria ninguém tocou, talvez por a Dona Adélia nunca se ter envolvido em política.
Durante toda a tarde, Inês, Acácio e a empregada Rosinha não param. Enquanto falam ao Avante!, aceitam encomendas pelo telefone, aviam pão a clientes e mantêm-se em contacto com a fábrica. Por mais de uma vez, Acácio ausenta-se da padaria para fazer entregas e trazer mais algum pão para a loja. O fim da tarde aproxima-se e, com ela, um aumento da clientela, como todos os dias. E a padaria Seramota terá de estar preparada.