- Nº 1811 (2008/08/14)

UM TEMPO SOMBRIO

Editorial

Os dados vindos a público sobre a evolução do número de trabalhadores desempregados a usufruir do subsídio de desemprego, constituem um sinal inequívoco da gravidade da situação social do País.
Segundo esse dados, o número de trabalhadores a receber o subsídio de desemprego era, em Junho passado, o mais baixo desde 2003 – isto numa situação em que o desemprego aumenta e atinge, mesmo, valores dos mais elevados desde o 25 de Abril.
É tempo de relembrar aqui, uma vez mais, a iniciativa do PCP, em Junho passado, apresentando na Assembleia da República, sete medidas de emergência para enfrentar a crise.
Como na altura sublinhámos, trata-se de medidas só possíveis de apresentar por um partido profundamente conhecedor da realidade económica e social do país, visando responder às situações mais gravosas criadas pela política de direita, e que vão desde a proposta de revalorização imediata dos salários, pensões e reformas, incluindo o salário mínimo nacional; até à proposta de aumento intercalar para os trabalhadores da Administração Pública de forma a compensar a forte quebra do poder de compra.
Entre essa propostas, uma há cuja pertinência é flagrante: precisamente, a que defendia a alteração dos critérios para a atribuição do subsídio de desemprego visando reverter a restrição imposta pelo governo que apontava crescentes limitações no acesso a este direito por parte dos trabalhadores desempregados – direito que, recorde-se, é uma importante conquista de Abril.
Sobre a justeza dessa proposta fala a situação agora revelada: rejeitando-a, a maioria parlamentar do PS obteve como resultado a diminuição do número de trabalhadores desempregados a receber o respectivo subsídio de desemprego, num quadro de crescimento acentuado do número de desempregados – avolumando e agravando, assim, as dificuldades de milhares de trabalhadores e das suas famílias.

Estes dados surgem num cenário em que a situação económica e social do País e, em consequência dela, a situação da imensa maioria das famílias portuguesas, assumem aspectos de extrema gravidade, sendo claro que os responsáveis pelo estado a que as coisas chegaram não possuem condições mínimas para resolver nenhum dos graves problemas que criaram.
Aos milhões de pobres – muitos vivendo em situação de extrema pobreza – juntam-se os milhões para os quais o dia a dia é cada vez mais recheado de dificuldades resultantes de salários, pensões e reformas de miséria e de aumentos insuportáveis do custo de vida.
As quebras de consumo de pão e de leite – dois alimentos fundamentais para os portugueses e, portanto, os últimos a serem alvo de restrições - são por demais significativas do estado a que isto chegou.
Mas de todo o lado, de todas as áreas - e todos os dias - surgem novos sinais sombrios, como que a dizer que o pior ainda está para vir.
Cresce o número de pessoas a pedir informações sobre o que fazer para receber apoio alimentar proveniente de instituições que se dedicam a essa acção – e não são apenas os desempregados, são milhares e milhares que, tendo trabalho, não ganham um salário que chegue para comer.
As férias pagas – outra relevante conquista de Abril - são coisa reservada a cada vez menos famílias e tendem a entrar na categoria de produto de luxo.
De acordo com um estudo recente da Eurosondagem, este ano mais de 34% dos trabalhadores portugueses não receberam, nem irão receber, o subsídio de férias a que têm direito. E entre os que ainda o receberam, muitos terão que gastar mais de dois terços desse subsídio nas despesas correntes da casa.
Outro dado: a procura das casas de penhores aumentou em 50% nos últimos dois anos: «do relógio à roupa», tudo é, «a toda a hora», posto no prego, para pagar a comida, as contas atrasadas da luz... – enquanto a política de direita vai penhorando o País na casa de prego do grande capital nacional e internacional.
As causas desta dramática degradação das condições de trabalho e de vida da imensa maioria dos portugueses, radicam na política de direita que o Governo PS/José Sócrates, ultrapassando negativamente todos os que o antecederam, tem vindo a levar à prática.
Com tais governos e com tal política só os grandes grupos económicos e financeiros não têm razão de queixa, bem pelo contrário: para esses, os lucros, mesmo que, num caso ou noutro, menores do que eles esperavam, andam sempre na casa dos milhões.

Dizem os governantes, procurando sacudir a água do capote, que as «culpas» do estado a que o País chegou são da situação internacional. Serão, em parte, mas fundamentalmente porque a sua política de direita é, no essencial, a mesma praticada na imensa maioria de países que integram o sistema dominante no mundo – um mundo onde os direitos dos trabalhadores são alvo de um cerrado ataque por parte das forças do grande capital; onde a democracia se transforma aceleradamente numa farsa; onde os conflitos bélicos e a iminência do seu alastramento estão todos os dias na ordem do dia; onde o terrorismo de estado é lei.
É um tempo sombrio este a que trinta e dois anos de política ao serviço dos interesses do grande capital – praticada em serviço combinado entre o PS e o PSD – conduziram o País.
E a situação só não é ainda mais grave porque os trabalhadores portugueses impediram que assim fosse através das suas lutas – lutas cuja continuação e intensificação é condição indispensável para dar a volta a isto e restituir aos portugueses a dignidade que Abril lhes trouxe.