Desporto e (é) Política? (4)
A compreensão do fenómeno desportivo actual não é simples. A sociedade evoluiu e o desporto com ela, tornando-se mais complexo, mais multifacetado. As relações do desporto com a economia estreitaram-se, e passaram a ser aceites como naturais. O entrecruzamento entre o desporto e a política também se tornou mais forte e visível.
As opções, a definição de objectivos, a atribuição de meios, o posicionamento dos vários intervenientes fundamentais, traduzem posições políticas que não devem continuar a ser ignoradas, no seu significado e valor, pela grande massa da população. O tempo do desporto neutro, asséptico politicamente, nunca existiu, apesar de ter constituído uma tese das forças conservadoras durante quase todo o século XX.
A questão que hoje se coloca a todos os que pretendem pôr a prática desportiva ao serviço do ser humano, é a de se estar «armado» com elementos críticos capazes de ajudar a compreender melhor, e em plena consciência, o significado das transformações em curso. A situação caracteriza-se pela necessidade de perceber os mecanismos que determinam essas transformações, e em entender o significado da direcção que tomam.
Contra esta concepção joga o peso da tradição. Décadas após décadas a concepção conservadora afirmou que o desporto era «virgem» politicamente, e que misturar a política com o desporto era conspurcá-lo. O desporto era uma das poucas áreas da actividade social em que não se expressariam as tensões sociais, e «futebol era futebol e mais nada».
A mistificação foi enorme. Continua a fazer estragos entre muitos dos actuais dirigentes que, por sua vez, se tornaram sensíveis a um outro grande obstáculo à compreensão do fenómeno desportivo: o descrédito da política.
Trata-se de uma questão complexa, esta última. É que a desconsideração da política, objectivo estratégico antidemocrático, tem como finalidade afastar, ainda mais, os cidadãos das decisões políticas. Naturalmente que, no desporto como no resto, o projecto é o mesmo.
São muitos os exemplos que se pode fornecer para esclarecer esta questão, mas tomemos, por agora, um deles, de carácter fundamental: o Orçamento do Estado para o desporto.
Será impensável que alguém defenda que o OE não é um instrumento político, não traduz, em termos concretos, uma posição política de um governo, não seja, em suma, a política traduzida em acto. Naturalmente que a sua estrutura, as diferentes rubricas financiadas (ou seja, as grandes áreas sociais escolhidas) e a sua ponderação relativa, traduzem opções políticas. Em suma, é política em estado «puro»!
Vejamos o que se passou com o Orçamento de Estado, em relação ao desporto de 1940 a 2000 (números extraídos de publicações oficiais da antiga DGD 1990). A curva de evolução mostra que naquele ano a percentagem do OE atribuída ao desporto estaria ligeiramente acima dos 0,5%. Passou a 0,1% mantendo-se em torno deste valor até 1960, altura em que começa uma subida que o leva aos 0,5% em 1966. Em 75 e 76, a subida é vertiginosa, e neste último ano, atinge os 1,0%. Em 1977 a descida é, também vertiginosa, pois passa para os 0,22%, para se colocar nos 0,2%em 1980 e nos 0,1% em 1985. Em 1990 é de 0,25% e durante os últimos 15 anos as variações são irrisórias.
A curva mostra a grande coerência de pontos de vista que caracterizou estes cerca de 70 anos de desenvolvimento desportivo, com excepção dos anos da Revolução. Mostra também o enorme desprezo a que a questão foi votada durante todo o regime fascista e o enorme interesse de que foi alvo a actividade desportiva pela parte dos governos em função logo após o 25 de Abril de 1974, e o retrocesso nos últimos 30 anos.
Em termos do Orçamento de Estado a situação actual recoloca a questão nos mesmos termos de 1963, agravada pelo facto de a prática desportiva, no presente, ser substancialmente mais cara do que naquela altura.
A relação da política com o desporto surge, vista deste ângulo, com clareza. Na verdade as opções políticas são opções de vida e se tomarmos em consideração os benefícios que a prática desportiva acarreta para o indivíduo durante toda a sua vida, desde o contributo que fornece para o desenvolvimento da criança até à melhoria da qualidade de vida do idoso, é fácil compreender o prejuízo que resultou para as sucessivas gerações a autêntica espoliação que sofreram.
Por muito que as antigas concepções continuem a prevalecer, agora sob formas actualizadas mas não menos graves, a visão política do significado social, cultural e económico do desporto cada vez assume maior importância. Isto porque já não se vive sob o regime esclerosado do salazarismo que envolvia toda a vida do País num manto de obscurantismo. Por isso, para aqueles que naquela altura lutaram contra a «situação», a desilusão e a amargura não podem ser maiores nos tempos que correm.
As opções, a definição de objectivos, a atribuição de meios, o posicionamento dos vários intervenientes fundamentais, traduzem posições políticas que não devem continuar a ser ignoradas, no seu significado e valor, pela grande massa da população. O tempo do desporto neutro, asséptico politicamente, nunca existiu, apesar de ter constituído uma tese das forças conservadoras durante quase todo o século XX.
A questão que hoje se coloca a todos os que pretendem pôr a prática desportiva ao serviço do ser humano, é a de se estar «armado» com elementos críticos capazes de ajudar a compreender melhor, e em plena consciência, o significado das transformações em curso. A situação caracteriza-se pela necessidade de perceber os mecanismos que determinam essas transformações, e em entender o significado da direcção que tomam.
Contra esta concepção joga o peso da tradição. Décadas após décadas a concepção conservadora afirmou que o desporto era «virgem» politicamente, e que misturar a política com o desporto era conspurcá-lo. O desporto era uma das poucas áreas da actividade social em que não se expressariam as tensões sociais, e «futebol era futebol e mais nada».
A mistificação foi enorme. Continua a fazer estragos entre muitos dos actuais dirigentes que, por sua vez, se tornaram sensíveis a um outro grande obstáculo à compreensão do fenómeno desportivo: o descrédito da política.
Trata-se de uma questão complexa, esta última. É que a desconsideração da política, objectivo estratégico antidemocrático, tem como finalidade afastar, ainda mais, os cidadãos das decisões políticas. Naturalmente que, no desporto como no resto, o projecto é o mesmo.
São muitos os exemplos que se pode fornecer para esclarecer esta questão, mas tomemos, por agora, um deles, de carácter fundamental: o Orçamento do Estado para o desporto.
Será impensável que alguém defenda que o OE não é um instrumento político, não traduz, em termos concretos, uma posição política de um governo, não seja, em suma, a política traduzida em acto. Naturalmente que a sua estrutura, as diferentes rubricas financiadas (ou seja, as grandes áreas sociais escolhidas) e a sua ponderação relativa, traduzem opções políticas. Em suma, é política em estado «puro»!
Vejamos o que se passou com o Orçamento de Estado, em relação ao desporto de 1940 a 2000 (números extraídos de publicações oficiais da antiga DGD 1990). A curva de evolução mostra que naquele ano a percentagem do OE atribuída ao desporto estaria ligeiramente acima dos 0,5%. Passou a 0,1% mantendo-se em torno deste valor até 1960, altura em que começa uma subida que o leva aos 0,5% em 1966. Em 75 e 76, a subida é vertiginosa, e neste último ano, atinge os 1,0%. Em 1977 a descida é, também vertiginosa, pois passa para os 0,22%, para se colocar nos 0,2%em 1980 e nos 0,1% em 1985. Em 1990 é de 0,25% e durante os últimos 15 anos as variações são irrisórias.
A curva mostra a grande coerência de pontos de vista que caracterizou estes cerca de 70 anos de desenvolvimento desportivo, com excepção dos anos da Revolução. Mostra também o enorme desprezo a que a questão foi votada durante todo o regime fascista e o enorme interesse de que foi alvo a actividade desportiva pela parte dos governos em função logo após o 25 de Abril de 1974, e o retrocesso nos últimos 30 anos.
Em termos do Orçamento de Estado a situação actual recoloca a questão nos mesmos termos de 1963, agravada pelo facto de a prática desportiva, no presente, ser substancialmente mais cara do que naquela altura.
A relação da política com o desporto surge, vista deste ângulo, com clareza. Na verdade as opções políticas são opções de vida e se tomarmos em consideração os benefícios que a prática desportiva acarreta para o indivíduo durante toda a sua vida, desde o contributo que fornece para o desenvolvimento da criança até à melhoria da qualidade de vida do idoso, é fácil compreender o prejuízo que resultou para as sucessivas gerações a autêntica espoliação que sofreram.
Por muito que as antigas concepções continuem a prevalecer, agora sob formas actualizadas mas não menos graves, a visão política do significado social, cultural e económico do desporto cada vez assume maior importância. Isto porque já não se vive sob o regime esclerosado do salazarismo que envolvia toda a vida do País num manto de obscurantismo. Por isso, para aqueles que naquela altura lutaram contra a «situação», a desilusão e a amargura não podem ser maiores nos tempos que correm.