«Just in time»

Anabela Fino
José Sócrates foi ontem à Assembleia da República apresentar, no que será o último debate do ano, o seu plano de combate à crise económica que há um mês dizia não existir. Pelas notícias vindas a público antecipando o discurso, ficámos a saber que o delírio cavalga a alta velocidade pelos corredores de S. Bento. Depois dos 150 mil empregos prometidos na campanha eleitoral e alegadamente já criados sem que ninguém saiba exactamente onde nem como – se a memória não nos falha, a última vez que um ministro falou do assunto faltariam uns escassos 35 000 para dar como cumprida a promessa – eis que o Conselho de Ministros extraordinário de 13 de Dezembro, já todo sintonizado na onda de que afinal a crise existe e é para durar, veio anunciar medidas que, bem somadas, apontavam para a criação de 65 mil novos empregos em 2009. Dois dias depois, na segunda-feira, 15, o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, já falava em 80 mil empregos. Um dia mais tarde, o ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Vieira da Silva, citado pelo Diário Económico, subia a parada para 100 mil empregos. E tudo isto à pala das 12 medidas aprovadas pelo Governo quando já não podia ignorar o profundo mal-estar, contestação e descrédito ditado pela prontidão com que disponibilizou milhões e milhões do erário público – quer dizer, dos contribuintes, dos trabalhadores, dos portugueses que pagam impostos – para acudir ao poder financeiro, que é também como quem diz aos senhores que embolsam milhões na especulação e na exploração quando o tempo é de vacas gordas, e que têm como adquirido que os lucros são seus, privados e bem privados, e que os prejuízos há que colectivizá-los, ou seja, as vítimas do costume que paguem a crise.
Das medidas anunciadas – que passam por estágios profissionais, apoios à contratação de jovens e desempregados, um novo programa de estágios, integração de pessoas no sector não produtivo, redução da taxa social única paga pelos empregadores – diz Vieira da Silva que «não se trata de navegar à vista» porque o Governo tem «objectivos bem definidos», embora reconheça que «há sempre neste tipo de planos – e na situação em que vivemos – necessidades de ajustamentos» que o executivo não põe de parte. «Hoje exige-se uma gestão, como se diz nas empresas, 'just in time'», afirma o ministro do Trabalho, o que traduzido à letra significa «mesmo a tempo».
Ocorre perguntar: «mesmo a tempo» de quê? Com um ano eleitoral à porta, com o esboroar de um sistema que na sua agonia põe a nu a sua imensa corrupção e desumanidade, com um desemprego que já era galopante antes da assumpção da crise financeira e económica, com a miséria a submergir milhões de portugueses, com o descontentamento crescente das mais diversas camadas sociais a transbordar para as ruas e para a luta sem tréguas a uma política de subserviência ao capital e de destruição de direitos, esta exigência de gestão 'just in time' soa como uma manobra – mais uma – para convencer os incautos de que agora é que alguma coisa vai mudar. «Mesmo a tempo» de deixar tudo na mesma... e para os mesmos.


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