Uma espécie de enigma

Correia da Fonseca
É claro que não cabe a estas colunas fazer a análise dos resultados eleitorais do passado domingo, tarefa para a qual sempre lhes faltaria qualificação, além de que, como diria o velhíssimo Apeles, não há-de o sapateiro querer subir acima da sandália. Aqui fala-se de televisão, e se calhar já é pretensão excessiva. Entenda-se, porém, que falara sério de televisão implica necessariamente falar do que lá se vê e ouve, e também do que lá se deveria ouvir e ver e contudo falta ou, quando muito, comparece escassamente. E por aí se torna forçoso que na primeira croniqueta posterior às eleições para o PE no nosso País e não só se fale ao menos um pouco do acto eleitoral, dos seus resultados e do caldo de analistas e comentadores que ocuparam as antenas ao longo do serão daquele domingo. É certo que correndo o risco da asneira, mas bem se sabe que na vida tudo tem riscos mesmo que pareça não os ter, e que o dever de qualquer sujeito é afrontá-los por pouco que lhe apeteça. Assim, e começando pelo que parece mais fácil, direi que naquela noite andei durante largo tempo de um lado para o outro, a fazer o famigerado zapping de um lado para o outro, entre os canais abertos e os canais informativos portugueses a que o cabo permite aceder, à procura entre os opinadores convidados para os diversos estúdios de um ou outro que fosse pelo menos conotável com o PCP, já que as restantes forças partidárias significativas por lá estavam todas representadas, e o facto que quase me azedou é que tardei a encontrar o deputado António Filipe, já os ponteiros do relógio indicavam uma hora adiantada e o cansaço do dia eleitoral me mordiscava o corpo. Entretanto, já ouvira abundantemente doutas sentenças de especialistas, género dr. Pacheco Pereira, dr. António Vitorino, dr. Lobo Xavier; já o dr. António Barreto, com o seu ar de profeta nos olhos sempre um pouco propensos a esbugalharem-se e nas barbas completamente proféticas, antes mesmo de conhecidos os números oficiais anunciara a descida do PCP para o quarto lugar da classificação, como se diria usando uma fórmula de odor futebolístico. Enfim: tardou tanto a presença de alguém do PCP, ou assim me pareceu, que cheguei a temer pelo pluralismo das nossas estações de TV. Afinal, seria só questão de não haver pressa em ouvir uma voz comunista. Isto é: afinal era só o costume.

A suspeita

Chegaram enfim os resultados completos, por eles se soube que o BE subira ao terceiro lugar do ranking político aparentemente graças ao resultado havido numa semiperdida freguesia transmontana, mas só aparentemente, pois de facto poder-se-á dizer que de um modo geral todo o Norte preferiu o Bloco ao PCP, embora nos números nacionais a tão proclamada superioridade eleitoral se exprima pela modéstia de uma décima, o que dificilmente se pode entender como esmagador e definitivo. A questão, como facilmente sabe quem disso queira saber, é que o BE beneficiou do voto de muitos descontentes que antes votavam PS, e quem o diz não sou eu, reconheceu-o um dirigente do BE perante câmaras e microfones. Assim, esses bastos milhares de votos que resultaram na décima que tanta alegria provocou à direita surgem um pouco como um empréstimo que qualquer dia pode regressar ao lugar de onde partiu, mas é claro que isso é lá coisa entre eles. Entretanto, passado mais algum tempo e prolongada um pouco mais a vigília de quem mantinha o televisor ligado, chegaram resultados de outros países da UE e a notícia de que a direita ganhara terreno em quase todos eles. Era mais um motivo de surpresa, uma espécie de enigma: sabendo-se que a crise que flagela o mundo em geral e designadamente a Europa é consequência de práticas marcadamente de direita, percebendo-se sem esforço que só à esquerda pode haver remédio eficaz para a maleita mediante mutações que serão de raiz ou não passarão de panos quentes que nem a dor fazem passar, custa a entender como as gentes europeias optaram por votar preferentemente à direita. E esta dificuldade em entender conduz naturalmente à suspeita de que terão sido longamente manipulados por quem tem capacidade para manipular, dia após dia: o conjunto dos grandes com inevitável destaque para a televisão. Assim, a Comunicação Social, esmagadoramente controlada por quem se sabe, surge como a grande suspeita de ser a responsável pelo aparente desatino dos eleitores. Aqui fica a reflexão. Se estou enganado, peço desculpa.