Dirigismos

João Frazão
A propósito do 10.º aniversário do BE, o Público brindou os seus leitores com duas páginas para olhar à lupa «a impressionante ascensão do Bloco de Esquerda» - expressão que abre o texto que encima a página do matutino.
Sem nos atermos muito ao desvelo e ao indisfarçado carinho com que o periódico de Belmiro de Azevedo trata o partido/movimento, centraremos a nossa atenção numa, aí declarada, «lacuna do BE» – a ligação com os sindicatos. Em 18 linhas de uma estreita coluna ficamos a conhecer uma pérola do pensamento bloquista.
Segundo um dos homens fortes do BE, Daniel Oliveira, «devem ser formados quadros sindicais».
Para quê? Para «combater as organizações sindicais enquanto correias de transmissão partidárias». Mais. Segundo Louçã, o sempre presente líder, é mesmo necessária a «criação de uma força sindical diferente daquela que foi construída pelo PCP».
Para quê? Para «criar uma relação diferente, não dirigista entre esquerda política e esquerda social».
Portanto, se eu entendi bem, há um Partido que quer formar quadros sindicais para ter uma ligação forte com os sindicatos, para impedir que eles sejam correias de transmissão... dos partidos.
De fora destas congeminações bloquistas estão, pelos vistos, a valorização do movimento sindical unitário, sobre o seu projecto, os seus valores e a sua natureza de classe, sobre o seu papel na defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores, sobre o seu contributo para a luta por um novo rumo e uma nova política ao serviço dos trabalhadores e do povo.
Longe do pensamento da coqueluche da política portuguesa está, pelos vistos, o facto de este movimento sindical unitário, criação e património da classe operária e dos trabalhadores portugueses, ter a força que tem por ser constituído por dezenas de milhares de quadros, entre os quais muitos comunistas, eleitos pelos trabalhadores a partir das empresas e locais de trabalho, pela sua capacidade e prestígio, e que, de forma militante e abnegada, dão um contributo insubstituível para a luta de todos os dias contra a política de direita, que o Governo PS optou por prosseguir, no novo quadro político.
É que, desengane-se quem pense o contrário, o que move o BE não é o reforço do Movimento Operário e Sindical. O que está, de facto, em causa é o cálculo, assumido por Louçã nas páginas do Público, de que este projecto (sem correias de transmissão, nem dirigismos, digo eu) poderá contribuir para o BE «passar os 20 por cento» nas próximas legislativas. Estamos entendidos!


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