Seis por cento

Henrique Custódio

No início desta semana, um senhor engravatado anunciou solenemente os juros que o «resgate» português irá custar ao País: «entre 5,5 e seis por cento, mas nunca atingindo os seis por cento», informou ele em nome da Europa que por aqui manda e num tom que sugeria estarmos a ser alvo de grande favor.

Ainda bem que o sugeriu, porque não se percebe onde raio está o «favor» de arrochar um país sob uns juros de 6%, quando a prática corrente dos empréstimos estatais anda pelo 1% de juros, tal como é do conhecimento de qualquer merceeiro que juros acima dos 2% inviabilizam a recuperação da economia mais pintada.

Entretanto, 6% aplicados a 78 mil milhões de euros dá um lucro brutal aos emprestadores (35 mil milhões de euros, a pagar em sete anos), que além disso reservam antecipada e expressamente cerca de um terço dessa gigantesca verba para os «bancos locais» (e sem juros), pelo que se impõe perguntar para que serve, afinal, este empréstimo leonino.

Serve, de certeza, os bancos e banqueiros envolvidos na operação, a começar nos que emprestam e desembocando nos que recebem os empréstimos.

Quanto aos pretensos «beneficiários nacionais» deste «resgate financeiro» – o défice público, a balança de pagamentos, a economia nacional – ir-lhes-á acontecer exactamente o mesmo que aos homólogos gregos que, um ano depois de uma arrochada semelhante, estão, neste momento, na base de um novo «resgate financeiro» a mobilizar para a Grécia dado que – naturalmente... – as coisas estão bastante piores do que estavam há um ano, quando os da União Europeia decidiram que se impunha um «resgate».

Aliás, a situação na Grécia está num beco sem saída, como o demonstram à saciedade as sucessivas greves gerais de protesto lá ocorridas, neste ano de intervenção do FMI – e de que ninguém fala, sintomaticamente.

Todavia, já surdiu o boato da saída da Grécia da moeda única, o euro, e aí já tocam sinos a rebate, sobretudo entre a grande banca europeia (com destaque para a alemã).

Na verdade, a grande banca é a principal beneficiária desta política monetarista da UE, que se centra na obsessão do défice público baixo – para abrir caminho ao «emagrecimento» das funções sociais do Estado – e na recusa férrea da desvalorização da moeda euro – para manter os astronómicos lucros que a simples «venda» desta moeda permite (como se vê nos tais «resgates» financeiros aplicados à Grécia, à Irlanda e, agora, a Portugal).

Bastou este boato de que a Grécia pode «sair do euro», para altos responsáveis da União Europeia acusarem o toque e advertirem que «seria uma catástrofe». E seria – pelo menos para esta minuciosa teia pacientemente urdida nas últimas décadas, para abrir caminho à hegemonia financeira do grande capitalismo europeu através deste precioso instrumento: uma moeda única e «forte», do ponto de vista dos mercados especulativos.

Agora imagine-se os «rebates» que não eclodirão por essa «Europa dos défices» se, todos juntos – Grécia, Irlanda e Portugal –, exigirem, simplesmente... renegociar a dívida.



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