Na hora do pensar e do agir

Jorge Messias

«O marxismo, longe de pregar a perseguição, enriquece, pelo contrário, a tolerância com uma nova dimensão. A tolerância não é só o consentimento das diversas ideologias. É também pesquisa de unidade prática na acção. Esta ideia é simples e tem raízes materialistas: talvez seja possível descobrir na vida interesses comuns susceptíveis de unir os homens apesar das suas divergências naturais e das lutas ideológicas, sem a nada contudo se renunciar» (Michel Verret, «Os marxistas e a religião», Edições Prelo, 1975).


«Uma catástrofe de dimensões nunca vistas e a fome aproximam-se impiedosamente. Tomadas de posição reconhecem que para enfrentar a catástrofe é necessário travar-se uma luta desesperada para prevenir o desastre, que são inevitáveis sacrifícios heroicos do povo, etc. Todos o dizem. Todos o reconhecem. Todos o decidem. E, contudo … nada se faz!» (V.I. Lenine, «A catástrofe que nos ameaça e como combatê-la», «Obras», Setembro de 1917).


 «Teremos de colaborar com o Governo para que seja possível cumprir os compromissos sociais que foram assinados e, sobretudo, para pôr Portugal a funcionar com esperança, com vitalidade e com genica» (D. José Policarpo, cardeal-patriarca, 7.7.2011).

 

A acelerada aproximação de um drama à actual escala capitalista é tão evidente que desnecessário se torna ocupar espaços só para voltar a descrever o que vai acontecendo. Basta destacar-se alguns traços básicos da situação.

A adesão ao euro foi um verdadeiro crime de lesa-pátria. O poder político usou-a friamente, como um instrumento de aceleração do processo de acumulação de grandes massas monetárias. Pôde alcançar esse objectivo através da destruição da máquina produtiva e da sobrevalorização artificial dos produtos financeiros. Para atingir os seus fins deu livre curso aos métodos mais mafiosos. Houve um curto espaço de tempo em que a banca parecia dominar o mundo e a humanidade vivia melhor.

No entanto, a médio prazo, o próprio neoliberalismo viu-se empurrado para um beco sem saída. A viela onde agora está. Os seus cofres abarrotam de divisas mas os seus povos não têm pão. A par das fortunas fabulosas criadas pela especulação, agigantam-se os números do desemprego e os índices da miséria social. A agricultura e as pescas foram praticamente abandonadas. Nem sequer ficou de pé o recurso aos meios da economia real. Foram destruídos pelos especuladores. Na sociedade reina a corrupção e o custo de vida esmaga os pobres e invade o conforto das classes médias.

Vai-se a ver e constata-se que esta queda a pique não é só em Portugal que acontece. O mundo capitalista está em desagregação. A globalização não passa afinal de um mero castelo de cartas. Os povos são saqueados pelos bancos, pelos aparelhos capitalistas do Estado, pelos especuladores e por um Vaticano que alberga e dá apoios a todas essas forças criminosas.

Foi este o pano de fundo que o patriarcado português escolheu para atenuar o seu espesso silêncio social. Ao povo explorado, D. José aconselhou resignação. Ao governo dos patrões e dos banqueiros, garantiu o apoio activo da Igreja. E continuou a ocultar as dimensões do negócio que a «crise» representa para o mundo católico. Vêm aí as privatizações cegas, os despedimentos maciços e a destruição total das conquistas de Abril. Nenhuma outra força, a não ser a Igreja, tem potencial suficiente para ocupar então os espaços vazios. Nos seus bancos, nos seus off-shores, nos bens imobiliários que detém, o Vaticano domina os fluxos financeiros que correm nas veias do grande capital. Isto acontece não só em Portugal mas noutros estados católicos em ruínas, como a Espanha, a Itália, a Bélgica, amanhã a França; e progride rapidamente em países não católicos mas capitalistas de que podem ser exemplos a Alemanha, a Grã-Bretanha ou mesmo os gigantescos Estados-Unidos. É questão de tempo… De muito pouco tempo. Estes jogos malabares massacram, torturam ou matam milhões de seres humanos e destroem sociedades pacíficas.

D. José tudo isto entende. É um veterano que conheceu papas, escândalos, meandros e intrigas da Igreja universal. Mas a quem não escapa que o caos social serve perfeitamente os interesses eclesiásticos que ele representa. Não admira, pois, que as suas intervenções sejam comprometidas e obscurantistas.

O mesmo não poderá afirmar-se em relação aos católicos conscientes que, entretanto, se calam. Pactuam com o crime. São factos preocupantes.



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