A consagração do sacrossanto lucro
O Parlamento aprovou recentemente, com os votos favoráveis do PSD, PS e CDS/PP, uma proposta de lei que introduz alterações à Lei das Comunicações Electrónicas. Trata-se da transposição de directivas comunitárias redigidas com o alegado intuito de proteger os consumidores e promover comunicações seguras.
No debate do diploma, em nome do Governo, o secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações sublinhou a bondade das alterações dizendo que delas resultaria uma maior «transparência na regulação entre empresas e consumidores».
«O reforço de uma regulação independente e de uma acção regulatória que promova a inovação e o investimento, o reconhecimento da gestão eficiente do espectro como vector fundamental de promoção de bem-estar e de desenvolvimento económico», são igualmente apresentadas como linhas de orientação do regime comunitário que agora se quer incorporar no direito interno.
Pronunciando-se sobre esta matéria que considerou ter a vários títulos um «impacto assinalável» na economia, o deputado comunista Bruno Dias criticou desde logo a forma como decorreu o processo legislativo, advertindo que a AR «não é nem pode ser uma almofada de carimbo a toque de caixa da troika». É que, explicou, perante alterações «muito significativas» que incidiram em mais de uma centena de artigos, mexendo na lei vigente de uma ponta a outra, era exigível um «debate, uma reflexão e uma participação que estiveram longe de ser alcançados com este processo sumaríssimo».
Liberalização dos mercados
Mas não foram só os aspectos formais em torno do diploma que suscitaram a crítica da bancada do PCP. A forma como as directivas estão a ser transportas mostram, por outro lado, que era «exigível uma outra qualidade e uma outra decisão política que não aquela que foi adoptada pelo Governo».
É que a questão de fundo, segundo Bruno Dias, tem a ver com «opções e estratégias» relativas à liberalização dos mercados, com a «consagração do sacrossanto lucro e do negócio» no sector, e com o papel da entidades reguladoras. Mais: nas «competências reforçadas» atribuídas a estas entidades inclui-se «aspectos de estratégia e opção» que são de natureza «eminentemente política», nomeadamente no que se refere à gestão das frequências do espectro rádio eléctrico, ao problema da televisão digital terrestre e da sua relação com a gestão desse espectro, ao problema da gestão das telecomunicações móveis (inclusivamente em matérias de segurança).
Estas são, pois, questões que «implicam uma apreciação política e uma estratégia» que, como é fácil de concluir, não cabe na esfera de acção do regulador resolver.
As alterações aprovadas evidenciam ainda, na perspectiva do PCP, uma clara opção pela defesa dos «interesses das empresas e dos operadores do sector», em detrimento dos interesses dos consumidores.
São disso exemplo as alterações à lei que diminuem o montante de incumprimento a partir do qual o consumidor pode ver o serviço cortado e o seu nome incluído numa «lista negra». Esse montante em dívida a partir do qual o cliente devedor é notificado para proceder ao seu pagamento no prazo de cinco dias, sob pena de o acesso ser interrompido, passou de um valor equivalente ao salário mínimo (segundo a lei em vigor) para 20 por cento do seu rendimento mensal líquido.