G20 – uma mão cheia de nada?

Ângelo Alves

A aparente ineficácia das cimeiras é mais uma expressão da violenta fuga em frente do sistema

A reunião dos «líderes» do G20 realizada a passada semana em Cannes é altamente elucidativa do actual momento que vivemos no plano internacional e do grau de aprofundamento da crise estrutural do capitalismo

Depois de várias reuniões insistindo no falso e estafado discurso da «retoma», o G20 acaba de reconhecer no seu comunicado final que «desde a nossa última reunião a retoma mundial foi enfraquecida, particularmente nos países desenvolvidos», referindo-se igualmente ao «inaceitável nível do desemprego», ao «aumento das tensões nos mercados financeiros», ao «abrandamento do crescimento nos mercados emergentes» e ainda à crise no mercado de matérias-primas e aos desequilíbrios mundiais. Nesse mesmo comunicado são ainda reconhecidas as crescentes expressões das crises alimentar e energética.

Ou seja, o G20 acaba por reconhecer com a linguagem própria de um conclave de natureza imperialista o aprofundamento da crise estrutural do capitalismo nas suas diversas vertentes. Acaba por evidenciar as tensões crescentes quer entre os diversos pólos da tríade capitalista (EUA, UE e Japão) quer entre estas e os chamados países emergentes e, finalmente, acaba também por demonstrar, ainda que de forma indirecta, que as medidas que o próprio G20 defendeu e defende não só não resolveram qualquer problema como contribuíram para o seu aprofundamento.


Tal acontece não por qualquer rebate de consciência das potências que continuam a determinar os resultados destas cimeiras – especialmente os EUA, Grã Bretanha, Alemanha e França. Acontece porque é já impossível esconder a amplitude da crise económica e financeira nos principais centros capitalistas mundiais e porque é necessário dramatizar situações como a da União Europeia para desviar atenções de alguns dos principais problemas da economia mundial – principalmente a situação da economia norte-americana – e para tentar envolver países como a China e o Brasil no «pagamento» da crise do capitalismo, estratégia que, para já, foi recusada por estes.

Mas acontece também porque está em curso uma gigantesca operação ideológica e política que, partindo do reconhecimento e também dramatização mediática da situação, tenta «globalizar» a teoria das inevitabilidades, a resignação e o medo, prosseguindo assim a estratégia do imperialismo de regressão social e civilizacional em nome do suposto «combate à crise». Uma estratégia que cada vez mais passa pela férrea imposição aos povos – se necessário por via da força das armas – de um «novo paradigma» assente no aumento exponencial da exploração e opressão dos trabalhadores e dos povos, numa ainda maior concentração e centralização do capital, numa agenda recolonizadora, militarista e de ingerência e em maiores ataques à democracia e aos direitos dos povos, nomeadamente a soberania nacional.


Do ponto de vista das reais soluções para a profunda crise económica e social que afecta quase todo o mundo as conclusões do G20 são sem sombra de dúvida uma mão cheia de nada, e isso foi também visível nas cimeiras da UE. Mas tal facto não significa que a ofensiva imperialista tenha abrandado, bem pelo contrário. Os recentes acontecimentos demonstram cabalmente que, num quadro de muito rápido aprofundamento da crise e de agudização das contradições inter-imperialistas, os perigos são crescentes. A manobra política e ideológica operada na Grécia em torno da «unidade nacional» para impor à força ao povo grego novas medidas de «austeridade» e para conter o fortalecimento da luta social e de massas, bem como as ameaças de Israel, EUA e Grã-Bretanha relativamente à possibilidade de uma nova aventura militar contra o Irão, são dois exemplos bem elucidativos de que a aparente ineficácia das cimeiras é no fundo mais uma expressão da violenta fuga em frente.



Mais artigos de: Opinião

O dia das surpresas

Já se esperava que a operação ideológica para procurar enfraquecer a adesão à greve geral de 24 de Novembro fosse brutal. Governo, PS, patrões, o habitual coro de comentadores e especialistas, reportagens estudadas ao milímetro, conjugam-se numa enorme...

O moiral

Cavaco Silva, Presidente da República Portuguesa, decidiu pôr a nu a sua costela mais retrógrada, apelando à memória de uma figura típica de Nelas (onde discursava) – o moiral.E, numa tentativa de explicar o seu interesse em ver andar a roda da história de marcha...

Com Outubro

Completaram-se, este 7 de Novembro, 94 anos do início da epopeia humana que foi a Revolução Socialista Soviética, do primeiro momento, em toda a história da humanidade, onde os explorados não mais se limitaram a sonhar e resistir e tomaram com sucesso o poder de Estado....

De malas aviadas

Berlusconi anunciou esta semana que se vai demitir e o directório franco-germânico que manda na União Europeia deixou, repentinamente, de se preocupar com o drama da Grécia e até se esqueceu de Portugal, que entregou displicentemente à vigilância da comissão...

Um dia de salário para o Partido

A realização da campanha «Um Dia de Salário para o Partido», a desenvolver até ao final do ano, assume no actual quadro uma importância acrescida e é parte integrante do esforço mais geral de reforço da organização partidária e da sua acção e intervenção para fazer face à ofensiva de ajuste de contas com a Revolução de Abril e na luta pela rejeição do pacto de agressão.