O «prestígio» de Portugal na UE
O Conselho Europeu decidiu em Março prolongar a Operação «Atalanta» por mais dois anos para além do previsto, ou seja, até Dezembro de 2014. O ministro da Defesa, José Pedro Aguiar-Branco, anunciou simultânea – e prontamente – em Bruxelas que Portugal manteria a sua participação nesta operação até 2013. Justificou a sua posição com o argumento de que Portugal teria que «manter os seus compromissos» com as organizações internacionais, até por uma questão de «prestígio».* Mas de que «prestígio» nos devemos, então, orgulhar? A operação «Atalanta» foi lançada em 2008 pela UE, com o pretenso objectivo de defender, através do envio de navios de guerra de Estados-membros da UE, as embarcações que navegam ao largo do Corno de África dos ataques daqueles a que chamam de «piratas marítimos». Na fase actual, e segundo o comandante Duncan Potts, a operação terá sido tão bem sucedida, que emerge a necessidade de uma nova investida da UE – o reforço da «pressão» sobre os «piratas», mas já não apenas em mar, agora também em território somali. Portugal iniciou a sua participação nesta operação em Abril de 2010, e o seu último destacamento saiu de Lisboa no passado dia 12 de Março – um navio com 196 militares. Mas para defenderem «quem» e do «quê»?
É já extensa a documentação histórica sobre a desgraça a que o povo e os pescadores somalis foram atirados através do saque e destruição dos seus recursos piscatórios.** A Somália vive desde 1991 num estado de guerra civil intermitente, de vazio de poder e de emergência de diferentes clãs. Aproveitando esta situação, as grandes empresas internacionais de pesca começaram a actuar ilegalmente nos seus mares, não respeitando nem as soberanias nacionais nem as fronteiras internacionais, iniciando um processo de espoliação e saque dos recursos naturais da costa marítima da Somália, utilizando técnicas não regulamentadas que põem em perigo a biodiversidade marítima e a capacidade de regeneração das espécies. Foram as empresas de pesca ilegal, sobretudo oriundas de países da UE e da Ásia que, com o objectivo (conseguido) de retirarem fabulosos lucros deste negócio sem normas, roubaram criminosamente um dos principais alimentos do povo somali e das suas comunidades piscatórias. Mas foram também as empresas europeias e asiáticas que utilizaram os mares ao largo da Somália como lixeira, despejando neles as suas descargas industriais, tóxicas e nucleares, poluindo não só as suas águas, mas provocando enormes problemas de saúde para o povo somali, com a emergência de múltiplas doenças e de nascimentos com má-formação. No seio da pobreza e do roubo do seu mar e dos seus meios de subsistência, e face à não-resposta aos seus apelos à ONU, foram vários os pescadores somalis que se armaram para tentar dissuadir e espantar a pesca ilegal e evitar as descargas tóxicas nos seus mares. É, assim, no contexto de todo este complexo processo, que emerge a denominada «pirataria marítima», através da prática de sequestros e de exigência de resgates financeiros. É nesta parte da história que entra a intervenção da União Europeia – com a «prestigiada» contribuição subserviente do governo português. A operação «Atalanta» foi constituída com o argumento do combate à «pirataria marítima», mas sem nenhuma preocupação com a actividade das criminosas embarcações de pesca ilegal e, certamente, com objectivos não assumidos mais amplos.
O objectivo desta operação, realizada em perfeita consonância com os planos operacionais da NATO para os mares da Somália, não pode nunca ser desligado das intenções de domínio geo-estratégico e de recolonização de novos territórios, em que UE e NATO se articulam, e também consubstanciadas nas tentativas por parte dos EUA de instalar o comando militar AFRICOM em solo africano. Com este novo passo – a intenção de alargar a operação para território somali – assistimos ao agravamento dos planos de ingerência e militaristas da UE. O nosso governo repete incessantemente que não há dinheiro para salários, serviços públicos, subsídios de férias, reformas dignas. Mas há fundos para participar em mais uma operação militarista da UE. O que é, de facto, muito «prestigiante» para Portugal.
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* in Gov.pt, 22/03/2012
** Socorremo-nos aqui do documentário «Piratas» de Juan Falque (2011) e dos textos do jornalista Mohamed Abshir Waldo.