Comentário

«Sim: pelo emprego!... na Austrália!»

João Ferreira

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No dia em que este Avante! sai para as bancas, o povo irlandês é chamado a ir a votos. Fará algo que não foi permitido a nenhum outro povo na UE: votar em referendo a ratificação do Tratado sobre a Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária, assinado em Março pelos chefes de Estado e de Governo de 25 países da UE. Também conhecido por «tratado orçamental» ou «pacto fiscal».

A convocação do referendo não foi uma batalha fácil. Da direita à social-democracia, a maioria dos partidos representados no parlamento irlandês, assim como os poderosos interesses que servem, tentaram a todo o custo evitar este referendo. Na memória dos partidos do «consenso europeu» está ainda bem vivo o «Não» do povo irlandês, no referendo ao Tratado de Lisboa. Do outro lado, partidos de esquerda, sindicatos, democratas e activistas não desistiram e exigiram, tal como prevê a Constituição do país, a convocação do referendo.

Foi por decisão do Tribunal Constitucional irlandês que o referendo foi, finalmente, convocado, dando o tiro de partida para mais outra duríssima batalha.

Em plena campanha eleitoral, o PCP integrou uma delegação do Grupo da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica do Parlamento Europeu, que visitou a Irlanda, a convite do Sinn Féin e do Partido Socialista Irlandês.

Foi uma luta desigual aquela que pudemos testemunhar. Pela desproporção dos meios ao dispor de cada uma das partes em confronto, a fazer lembrar o segundo referendo ao Tratado de Lisboa, quando valeu de tudo para pressionar e chantagear o povo irlandês, incluindo campanhas financiadas pela Comissão Europeia e pelo Parlamento Europeu.

O debate, desta feita, voltou a ser dominado pelo medo e pela chantagem. O facto da Irlanda ser o único país onde se realiza um referendo foi utilizado pelos partidários do «Sim» para agitar o perigo do país ficar isolado, caso diga «Não». Isto quando se encontra sob um «plano de assistência» da troika, e não estando livre de precisar (assim o dizem, confessando-se...) de um segundo «resgate» – que ficaria em causa com o «Não».

A Irlanda vê disparar o desemprego, a pobreza e a emigração. Austrália e EUA voltam a ser destino de imensos contingentes de irlandeses, que fogem da miséria no seu país. Mas os responsáveis por esta situação são travestidos de salvadores da pátria, a quem não convirá importunar com um inoportuno «Não».

Nas ruas usa-se da mais despudorada e hipócrita retórica: «Sim: Pelo emprego!», lê-se nos cartazes do «Sim». Nalguns desses cartazes, alguém pertinentemente acrescentou: «na Austrália!».

Lá, como cá, os defensores do tratado (os mesmos que defendem o programa da troika) ilustram bem os interesses que este serve. Entre os partidários do «Sim» estão os partidos do sistema – Fine Gael (conservadores), Fianna Fáil (liberais) e trabalhistas – e as grandes associações patronais do país.

Há algumas semanas, numa exemplar confissão do consabido desprezo que nutrem pela democracia os senhores desta União Europeia, Jean Claude Juncker, primeiro-ministro luxemburguês e presidente do Eurogrupo, avisava o que sucederia em caso de vitória do «Não»: «Far-se-á novo referendo e espera-se que ganhe o Sim». Método simples, já experimentado. Com conhecidos e garantidos resultados...

 

Por cá, a «regra de ouro»: fugir ao referendo

 

A troika nacional do dito «consenso europeu» – PS, PSD e CDS – inviabilizou uma proposta do PCP para a realização dum amplo debate nacional sobre o conteúdo e as consequências deste tratado. Debate que culminaria com a realização de um referendo.

Não é a primeira vez que o fazem. Desde que a Constituição da República passou a admitir a existência de referendos nacionais (em 1989), o PCP tem vindo a defender a sua realização, sempre que estão em causa novos, significativos e gravosos passos no processo de integração capitalista europeia. PS e PSD sempre o recusaram. Assim foi com Maastricht em 1992, Amesterdão em 1997, Nice em 2001, e com o chamado Tratado Constitucional Europeu, em 2004. Assim foi também com o Tratado de Lisboa, em 2007, mesmo contrariando promessas eleitorais de 2005.

Por vezes usaram o expediente de propor perguntas declaradas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional, por lhe faltarem os requisitos de objectividade, clareza e precisão. No fundo, sempre fugindo ao debate e ao referendo.

Eis o roteiro de um processo de integração conduzido nas costas dos cidadãos, porque profundamente contrário aos seus interesses, em que cada novo passo legitima o anterior e justifica o seguinte.



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