Em tempos de preparação do XIX Congresso do PCP

Manuel Gusmão

Estamos a realizar a VI Assembleia do Sector Intelectual da ORL num ano em que o nosso partido se encontra empenhado numa luta aguda e sem tréguas contra a burguesia reacionária e as suas forças políticas, a troika estrangeira e a troika nacional. Simultaneamente, o nosso partido encontra-se a travar um outro combate fundamental. Trata-se agora, da luta política e ideológica, ou de trabalho ideológico, podemos dizer, concentrado: a preparação do XIX Congresso. É um congresso em que não discutiremos, desta vez, apenas o ponto em que estamos, mas em que nos ocuparemos, também das condições da nossa luta para hoje e amanhã, do nosso movimento de transformação revolucionária do actual estado de coisas.

Esta simultaneidade permite compreendermos algo que nos caracteriza e diferencia como partido: a vida orgânica e militante do nosso colectivo partidário é indissociavelmente feita de trabalho e de luta. Mas este nosso trabalho de estudo não visa apenas o conhecimento académico; mas, sim, aquele tipo de conhecimento que está unido à transformação revolucionária do mundo e da vida. Nunca será demais lembrar o que Marx e Engels escreveram no Manifesto do Partido Comunista:

Os comunistas diferenciam-se dos demais partidos proletários apenas pelo facto de que, por um lado, nas diversas lutas nacionais dos proletários eles acentuam e fazem valer os interesses comuns, independentes da nacionalidade, do proletariado todo, e pelo facto de que, por outro lado, nos diversos estádios do desenvolvimento por que a luta entre proletariado e a burguesia passa, representam sempre o interesse do movimento total.

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Ter em conta, a cada momento, as batalhas concretas desse momento, mas também os objectivos de médio e longo prazo é uma outra característica da identidade do PCP. É muito frequente dizermos «nós não fechamos para congresso». Significa isto que não fazemos um intervalo para o estudo em que abandonaríamos por alguns meses a nossa constante ligação às massas, às lutas pequenas e grandes que vai sendo necessário travar. E isto é assim não apenas porque a situação das massas é parte daquilo que queremos conhecer, mas também porque o aprofundamento dessa nossa ligação é também um objectivo de luta.

Por outro lado, o terreno de luta e do nosso trabalho são o mesmo: o conjunto da vida social, tal como a história a vai modelando.

No nosso caso, o sujeito investigador (tendencialmente colectivo) trabalha já sobre o conhecimento acumulado pela classe operária e pela organização do Partido, na vida e no trabalho; conhecimento empírico e intuitivo onde a experiência da classe se reflecte. Ora sem cuidar constantemente da ligação às massas, o Partido ficaria separado dessa experiência de vida e de conhecimento, sem a qual se arriscava a perder-se.

No XII Congresso, foi aprovado o Programa «Portugal – Uma democracia Avançada no limiar do séc. XXI», e na mesma altura, o art.º 8.º dos estatutos, passa a dizer o seguinte, na redação que lhe será dada pelo XIV Congresso:

No art.º 8.ºn.º 2: «a evolução da sociedade portuguesa indica que, hoje são alianças sociais básicas, a aliança da classe operária com o campesinato – pequenos e médios agricultores – e a aliança da classe operária com os intelectuais e outras camadas intermédias».

E no n.º 3, do mesmo artigo, acrescentava-se: «na luta em defesa e pelo aprofundamento da democracia, o PCP empenha-se na criação de uma vasta frente social que abrange os operários, e os intelectuais e quadros técnicos, os empregados, pequenos e médios agricultores e os pequenos e médios empresários do comércio e indústria e serviços, bem como as mulheres, os jovens, os reformados, os pensionistas, os deficientes, forças sociais que intervêm na vida nacional com aspirações e objectivos específicos».

Ficava assim ratificada uma concepção dos intelectuais que tem em atenção o seu duplo papel social:

- por um lado, são um grupo heterogéneo do ponto de vista de classe, agrupando várias profissões cujos membros são cada vez mais numerosos e crescentemente assalariados;

- por outro lado, um certo número dos seus membros partilham com outros uma função intelectual de produção e intermediação de ideias, de representações e de valores que não lhes é exclusiva.

Na resolução política do XVII Congresso, o Partido volta a estudar e a dedicar um capítulo inteiro à análise das lutas de massas e da arrumação das forças de classe. Nesse capítulo, observa-se a continuação do seu crescente assalariamento. E do crescimento do seu peso na população activa.

Mas resulta claro que não é só o seu peso numérico que importa ter em conta mas o seu peso ou influência social real que é marcadamente maior que aquele. Essa influência social dos intelectuais vem-lhes das áreas em que exercem a sua actividade e do facto de, no essencial, essas actividades estarem associadas à promoção e concretização de direitos individuais e sociais, direitos universais, conquistados no fluxo de Abril e que a política de direita quer roubar aos trabalhadores e ao povo português.

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Desde há muito que nas suas assembleias de organização o Sector intelectual tem procurado actualizar o conhecimento sobre os intelectuais, no quadro definido pela resoluções políticas dos congressos.

Temos insistido na margem de autonomia relativa que caracteriza o trabalho dos intelectuais. Essa autonomia relativa significa que, sendo determinado pelo conjunto das condições materiais e sociais em que se processa, o trabalho intelectual dispõe entretanto dessa autonomia que não é contudo absoluta, mas é capaz de manter um horizonte crítico ou de crítica à razão instrumental dominante.

Enquanto trabalhadores, os intelectuais são actualmente vítimas das mesmas medidas que depreciam o valor do trabalho assalariado. Os despedimentos, o desemprego, a precatrização atingem-nos hoje, tal como se abatem sobre os outros grandes grupo de trabalhadores assalariados.

A luta pela manutenção das margens de autonomia relativa do trabalho intelectual, processa-se hoje em três grandes palcos de combate:

(a) O da acção sindical que decorre do quadro dos intelectuais como feixe de grupos sócio-profssionais;

(b) O da luta das ideias, em que se teoriza a sua importância e se disputa a influência sobre eles, nos vários sectores de actividade;

(c) Na luta especificamente política, onde e quando se discute o futuro de Portugal.

A resolução política da nossa Assembleia dá conta dessa natureza dupla e contraditória dos intelectuais e permite-nos compreender a sua intervenção nas áreas de luta política, pelas quais se distribuem os intelectuais. Ao referir o desenvolvimento da sua capacidade de luta, permitam-me que destaque, por exemplo:

- A realização em Março deste ano da Assembleia Constituinte do Sindicato dos trabalhadores da arqueologia;

- A participação nas acções de mobilização para as greves gerais e nos piquetes de greve;

- O carácter amplamente unitário do lançamento em curso do Manifesto em defesa da cultura e do movimento um por cento para a cultura.

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O trabalho humano tem características que o distinguem de qualquer outra actividade levada a cabo por uma qualquer outra espécie animal. Marx, no livro I, tomo I e cap.5, do Capital, escreve a certa altura:

Nós supomos o trabalho numa forma em que ele pertence em exclusivo ao homem. Uma aranha realiza operações que se assemelham ás do tecelão e uma abelha, através da construção dos seus alvéolos de cera, envergonha muitos mestres-de-obras humanos. O que, porém, de antemão distingue o pior dos mestres-de-obras da melhor abelha é que ele construiu o alvéolo na sua cabeça antes de o construir em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que, no começo do mesmo, estava já na ideia do operário, portanto, já idealmente se achava presente.

Assim podemos também concluir que o mais simples trabalho humano pressupõe uma certa capacidade intelectual instalada. O que se passa depois é uma cisão social e histórica dessa real unidade antropológica. O intelectual comunista sabe necessariamente isto: transporta consigo, reactivada, a recusa dos privilégios que estruturam a sociedade capitalista e, em particular, esse privilégio que as sociedades de classes atribuem injustamente ao trabalho intelectual, assim como transporta também a promessa e o compromisso revolucionários de fazer cessar, na história, essa divisão histórica e social do trabalho humano.

Temos todas as razões para supor que, na terra sem amos, que buscamos, o intelectual e o manual reencontrarão a sua unidade dialéctica, no trabalho humano, finalmente emancipado enquanto comunismo, como livre jogo das forças humanas, fora já do reino da necessidade.

(Intervenção proferida na VI Assembleia do Sector Intelectual da ORL, realizada em 28 de Abril de 2012 na Casa do Alentejo, em Lisboa)

 



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