«Reforço» do PE nada legitima
A acentuação da crise na e da UE é aproveitada para voltar a repisar inevitabilidades e aprofundar o federalismo. A perda de soberania e independência nacional, defendem os senhores da UE, seria compensada por «decisões democráticas no nível em que as decisões são tomadas», nomeadamente pelo «reforço» do papel do Parlamento Europeu (PE). Detenhamo-nos sobre este aspecto. Dotar o PE com mais poderes esteve sempre associado ao processo antidemocrático da UE, à perda de poder soberano dos povos na intervenção, crítica, participação e controlo popular das políticas que determinam as suas condições de trabalho e de vida. Os limites à intervenção das forças consequentes dos direitos e aspirações dos povos cresceram, as regras do seu funcionamento e as possibilidades de intervenção, proposta e até conteúdo são crescentemente limitadas de forma antidemocrática. O PE não é, contrariamente ao que os federalistas dos mais variados quadrantes políticos querem fazer crer, uma instituição neutra. Ele é o reflexo do domínio histórico das grandes potências,(1) das forças políticas que maioritariamente o compõem (direita e social-democracia)(2) e da sua acção ao serviço dos monopólios capitalistas.
O «reforço» do papel do PE, no contexto do aprofundamento da União Económica e Monetária (UEM) e do euro, ou seja da UE, como o elemento que lhe conferiria um carácter democrático, é mais um atentado contra a soberania e os direitos democráticos e traduzir-se-á no aumento da exploração dos trabalhadores e dos povos e na continuada (e acelerada) perda dos seus direitos. Embora os contornos desse «reforço» não sejam ainda conhecidos, os seus proponentes cavalgam na versão profundamente mistificadora que têm vindo a propagandear sobre o PE. A maioria do PE deu e continua a dar apoio (e/ou a co-decidir conjuntamente com o Conselho) às questões estruturantes que marcam o desenvolvimento da UE. A maioria do PE foi cúmplice das imposições do Tratado de Lisboa, depois de todas as manobras de maquilhagem e da sua repetida rejeição em França, na Holanda e mais tarde na Irlanda. A maioria do PE é cúmplice da imposição do pacto de agressão ao povo português, das ruinosas políticas agrícolas e de pescas, da imposição da desregulação das relações laborais, de posições reaccionárias e anticomunistas de revisão da história e das políticas que estão na origem da crise que vivemos.
Com ou sem o PE, não há solução para a UEM e para o euro mantendo as suas características fundamentais: perda de instrumentos soberanos da política monetária para o BCE e a sua falsa autonomia, livre circulação de capitais, substituição dos salários por crédito, Pacto de Estabilidade – reforçado pelo dito tratado orçamental –, mercado único, etc.).
Surgem também propostas de «reforço» do papel dos partidos políticos europeus, da possível constituição de listas ao PE a partir deles (desligadas do enquadramento nacional que agora têm) e da possível perda de deputados de cada país para a formação de listas supranacionais (dos partidos europeus). A eleição do PE seria cada vez menos ligada aos partidos nacionais e subordinada às dinâmicas e relações de força dos partidos europeus, cujos, sublinhe-se, já são financiados pela UE e passariam a estar também obrigados a «respeitar no seu programa e nas suas actividades os valores» da UE e as regras por si definidas (incluindo a divulgação dos nomes dos seus membros).
Este não é no entanto um sinal de força dos monopólios e das forças políticas que defendem os seus interesses, é antes um sinal da sua fraqueza, dos receios fundados do amadurecimento da consciência dos povos, da sua luta e do crescimento das forças políticas comprometidas com os trabalhadores e com os povos. Receio do crescimento das forças vinculadas com a defesa da soberania e da independência nacional, ou seja com a ligação entre o elemento identitário, cultural e histórico com a autodeterminação dos povos e com o seu potencial transformador na construção da Europa de solidariedade, paz e justiça social a que os povos aspiram.
Não se conclua do que atrás foi exposto pela inutilidade da nossa intervenção no PE e da necessidade do seu reforço. Os seus limites e condicionantes não impedem o desenvolvimento de esforços para condicionar, impor concessões e apresentar propostas, demonstrando – de forma articulada com a luta no nosso País – quem defende os direitos e aspirações dos trabalhadores e das classes populares.
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1Alemanha (99), França (74), Itália (73), Grã-Bretanha (73), Espanha (54) e Polónia (51) têm, juntos, 424 deputados, ou seja mais de metade dos actuais 754 deputados que compõem o PE.
2 O Grupo PPE (de que fazem parte os deputados do PSD e CDS/PP) e o Grupo dos "Socialistas e Democratas" (de que fazem parte os deputados do PS) têm, juntos, 460 deputados dos actuais 754 deputados que compõem o PE.