Tragédia e miséria nacional
Não há uma única razão que seja para regozijo pelos dois anos de vida deste Governo. Só há a «deplorar uma governação com consequências trágicas para o País e para a vida dos portugueses».
Cresce a pobreza e a degradação das condições de vida
Assim reagiu Jerónimo de Sousa à decisão do Governo de assinalar a existência no Mosteiro de Alcobaça com uma reunião onde não faltou a «belíssima ginja daquela região». Celebração a motivar desde logo o acutilante reparo de que «nunca» o afamada licoroso estivera «associado a uma política tão desastrosa», segundo o Secretário-geral do PCP, ao intervir dia 26 naquele que foi o último debate quinzenal desta sessão legislativa.
As razões para considerar que «não há nada para comemorar» desde a tomada de posse deste Governo, essas, são bem conhecidas, e nalgumas delas se deteve de forma sintética o líder comunista. Recordou, nomeadamente, as consequências «trágicas no plano económico» pela destruição de milhares de empresas e empregos, como nunca antes se verificara, num quadro em que se caminha «não para o terceiro ano consecutivo de recessão – que é já certo –, mas para o quarto ano».
Também no plano social o balanço em sua opinião é igualmente trágico, lembrando, a este respeito, o «avassalador desemprego, a degradação das condições de vida e a crescente pobreza das famílias portuguesas».
Iludir o desastre
Jerónimo de Sousa acusou entretanto o Governo de se «esconder atrás de falsos sucessos», dando como exemplo esse recente número protagonizado pelo ministro das Finanças «à volta da execução orçamental deste primeiros cinco meses do ano».
«Falso sucesso, porque não só o défice se agravou em 230 milhões de euros, como ainda por cima de nada valeu o confisco brutal que impôs ao mundo do trabalho», acusou.
E perante um balanço tão negro, a pergunta não podia deixar de se impor: «O que é que foi comemorar a Alcobaça que tivesse valido a pena?».
«Foi a aprovação do guião verbal por parte do ministro Paulo Portas?», insistiu o dirigente comunista, para concluir, irónico: «Se assim foi, é caso para dizer mal empregada a ginga que beberam».
Passos Coelho, na resposta, considerou que a iniciativa pretendera aproveitar a data para de modo informal fazer o ponto de situação sobre «progressos alcançados em matéria de execução do programa de assistência económica e financeira», «execução das reformas estruturais» e, sobretudo, planear a sua acção até «final do mandato». Disse tratar-se de um procedimento «muito usual» e que não tivera «nenhum simbolismo particular». Acrescentando ainda que tinha sido «particularmente inspirador poder fazer essa reflexão e ponto de situação no Mosteiro de Alcobaça».
Travar destruição
Jerónimo de Sousa, replicando, afirmou acreditar que se este Governo continuasse por mais dois anos até poderíamos baixar o défice. A grande questão é saber que «País sobraria». «Que emprego, que empresas, que economia é que sobraria depois da destruição levada a cabo por esta política?», inquiriu.
O líder do PCP acusou por fim o primeiro-ministro de «insistir na mistificação», no mesmo caminho de «agravamento no plano económico, no plano social e também no plano da própria democracia». Neste ponto, considerou que o Governo procura mesmo «contornar de forma ilegítima as decisões de outras instituições democráticas», como se verificou no não pagamento do subsídio de férias, nos serviços mínimos na greve dos professores e «na crescente tendência para limitar de forma antidemocrática a contestação ao Governo», de que o próprio primeiro-ministro deu mostras ao admitir em plena luta dos professores mexer na lei da greve. Ameaça, aliás, «logo secundada pelo Presidente do Governo Regional da Madeira», lembrou.
O porquê da adesão massiva
«Mesmo nos tempos mais sombrios, quando por decreto se proibiu a greve, os trabalhadores defenderam-se e exerceram-na». Assim concluiu Jerónimo de Sousa a sua intervenção no debate quinzenal, dirigindo-se ao primeiro-ministro, «para sua cultura geral», e a quem deixou uma garantia: «conte com isso!». Esta referência do Secretário-geral do PCP surge como resposta a sinais crescentes indiciadores da tentativa de cercear legítimos protestos dos cidadãos.
Pois ontem como hoje, foi essa confiança nos trabalhadores portugueses, na sua consciência de classe, na sua capacidade de resistência e luta que perpassou nas palavras do Secretário-geral do PCP. E que a vida, logo no dia seguinte, tratou de comprovar com a histórica greve geral que os trabalhadores em resposta ao apelo da CGTP-IN souberam erguer com coragem e determinação.
Uma adesão massiva e em força que Jerónimo de Sousa, na véspera, antevia como certa face às justas e legítimas razões que estavam na base da convocação desta que viria a ser mais uma grandiosa jornada de luta das classes trabalhadores do nosso País.
E questionava-se se não era justo esperar elevados níveis de adesão quando é certo que os trabalhadores vêem os seus direitos, os seus salários, o seu emprego, o direito a uma carreira serem todos os dias postos em causa pela política deste Governo
«Não é justo que os trabalhadores que viram este ano aumentar os seus impostos em média 30% digam não a este escandaloso confisco?», inquiriu, prosseguindo o inventário de razões que justificam nos locais de trabalho e nas ruas o repúdio e rejeição pela política da troika e deste Governo.
É o caso dos reformados, especificou, «perante a ameaça de verem cortadas ainda mais as suas reformas e pensões como o Governo está a programar». Mas é também a situação das populações, face ao «corte brutal de mais de 4700 milhões de euros da chamada reforma do Estado que atinge de forma drástica os serviços de saúde, educação, segurança social». Como é também a situação daqueles que viram «negado o seu direito a receber o subsídio de férias», ao mesmo tempo que «viram o Governo entregar de mão beijada à banca o dinheiro – cerca de mil milhões de euros – desse negócio ruinoso dos seguros especulativos, os tais swaps». Essa banca que, no dizer do líder comunista, «está sempre a ganhar, tem sempre uma compreensão profunda por parte do Governo, este que é tão célere a tirar a quem trabalha».
Com motivos – e motivos fortes – para expressar o seu desacordo e protesto, segundo Jerónimo de Sousa, estão ainda todos aqueles muitos milhares de «pequenos comerciantes, industriais de hotelaria e os de muitas outras actividades que vivem do mercado interno ou que viram com o aumento do IVA entrar em declínio as suas actividades».
Um novo BPN?
O caso BANIF é bem o exemplo do tratamento de privilégio, amparo e conforto dado pelo Governo à banca. Domingo passado acabou o prazo do pagamento da prestação de 150 milhões de euros correspondente à primeira tranche da dívida ao Estado pela intervenção de recapitalização que este fez no banco. E a pergunta simples que Jerónimo de Sousa fez no debate foi a de saber se o banco pedira ou não o adiamento desse pagamento. Quis ainda saber relativamente aos 700 milhões de euros de dinheiros públicos que estão nas mãos do Banif se o Governo admite o seu não pagamento e que esse valor entre nas contas do défice do ano seguinte.
Passos Coelho alongou-se em explicações e pormenores sobre o «plano de recapitalização» do Banif mas quanto às questões concretas colocadas pelo dirigente comunista, essas, passou-lhes totalmente ao lado. «Respondeu-me ao que eu não perguntei; não respondeu àquilo que perguntei de facto», reagiu o líder comunista, insistindo na questão tanto mais que se abeirava o prazo limite de pagamento da referida tranche. Perante a ausência de esclarecimento, contundente, Jerónimo de Sousa fez um voto: que não se esteja «perante mais um novo BPN».