A política do empobrecimento
Incumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social:
Promover a coesão económica e social de todo o território nacional, orientando o desenvolvimento no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões e eliminando progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo e entre o litoral e o interior; criar os instrumentos jurídicos e técnicos necessários ao planeamento democrático do desenvolvimento económico e social.
O texto acima é uma pequena súmula das obrigações constitucionais a que o Governo de Portugal está obrigado desde o dia 2 de Abril de 1976.
O incumprimento daquelas normas no decurso dos últimos 37 anos explica a permissividade dos quatro presidentes da República do nosso regime democrático face ao desprezo do PS, PSD e CDS-PP pela nossa Constituição e explica o facto de Portugal ser um país profundamente assimétrico do ponto de vista territorial, para além das profundas desigualdades nos rendimentos familiares, exemplarmente expressas na existência de três famílias (Américo Amorim, Soares dos Santos e Belmiro de Azevedo) com fortunas acumuladas em cerca de 6,5 mil milhões de euros, valor correspondente, reportado a 2010, à retribuição global de 431 400 trabalhadores portugueses!!!
Quando falamos de desigualdades sociais também é disto que falamos.
Quanto à questão da coesão territorial aconselha-se o estudo elaborado pelo Instituto Nacional de Estatística sobre o poder de compra concelhio relativo a 2011 (o último publicado).
Com esse estudo ficámos a saber que nos concelhos com um índice de poder de compra inferior à média nacional reside cerca de 60% da população portuguesa.
Ficámos também a conhecer o roteiro dos concelhos que viram o seu índice de poder de compra descer mercê:
– do empobrecimento em curso;
– da aproximação da chamada «classe média» aos extractos sociais mais desfavorecidos, ou seja, na aproximação dos menos pobres aos mais pobres.
Nota prévia sobre o poder de compra concelhio
O índice de poder de compra concelhio (IPC) não é expresso em euros, ou seja, num valor quantitativo expresso em dinheiro. Ele expressa um indicador, um número relativo, tendo como referência o valor de 100% atribuído à média nacional.
Daqui decorre que os concelhos com valores superiores a 100% estão acima da média do País e quanto maior for esse número maior será o poder de compra relativo. Neste caso o indicador mais elevado corresponde ao concelho de Lisboa, com o valor de 216,88.
Por outro lado, os concelhos com médias inferiores a 100% estão abaixo da média nacional e quanto mais baixo for esse número mais reduzido será o poder de compra relativo. Neste caso o indicador mais baixo corresponde ao concelho de Celorico de Basto, no distrito de Braga, com o valor de 49,83.
Índíce do poder de compra concelhio
Dos 308 concelhos do País apenas 36 (trinta e seis) têm um índice de poder de compra superior à média do País.
Quer isto dizer que:
– cerca de 12% dos concelhos superam a média, nos quais residem cerca de quatro milhões de habitantes;
– cerca de 88% dos concelhos têm um IPC inferior à média do País e nos quais residem cerca de 6,4 milhões de habitantes.
Concelhos com um IPC superior à média nacional
Estão neste caso:
– no distrito de Lisboa – nove concelhos: Lisboa, Oeiras, Cascais, Azambuja, Amadora, Loures, Mafra, Sintra e Vila Franca de Xira;
– no distrito de Setúbal – seis concelhos: Sines, Alcochete, Almada, Setúbal, Montijo e Barreiro;
– no distrito de Faro – quatro concelhos: Faro, Portimão, Albufeira e Loulé;
– no distrito do Porto – três concelhos: Porto, Matosinhos e Maia;
– no distrito de Aveiro- dois concelhos: São João da Madeira e Aveiro;
– no distrito de Santarém – dois concelhos: Entroncamento e Santarém;
– no distrito de Leiria – dois concelhos: Leiria e Caldas da Rainha.
Acrescem a esta lista mais os seguintes concelhos: Coimbra, Funchal, Évora, Beja, Ponta Delgada, Braga, Portalegre e Vila Real.
Registe-se, ainda, mais dois aspectos:
1.º- concelhos que, em 2009, estavam incluídos na lista daqueles com um IPC superior à média e que, em 2011, baixaram de escalão: Palmela, Espinho, Vila Nova de Gaia, Benavente, Santiago do Cacém e Porto Santo;
2.º concelhos correspondentes a capitais de distrito cujos índices são inferiores à média nacional: Guarda, Bragança, Viseu, Castelo Branco e Viana do Castelo.
Concelhos com o IPC mais baixo do País
Dada a impossibilidade, por razões de espaço, de referir todos os concelhos vejamos apenas aqueles – e são vinte – com um IPC inferior a 55% da média nacional, ou seja, os concelhos com menor poder de compra.
Estão neste caso:
– no distrito de Viseu – cinco concelhos: Cinfães, Tabuaço, Sernancelhe, Penalva do Castelo e Resende;
– na R.A. da Madeira – quatro concelhos: Ponta do Sol, Porto Moniz, Câmara de Lobos e Santana;
– no distrito de Vila Real – três concelhos: Ribeira de Pena, Boticas e Valpaços;
– no distrito de Bragança – três concelhos: Vinhais, Vimioso e Carrazeda de Ansiães;
– no distrito de Castelo Branco – dois concelhos: Penamacor e Oleiros;
– no distrito de Braga – um concelho: Celorico de Basto;
– no distrito do Porto – um concelho: Baião;
– no distrito de Faro: um concelho: Monchique.
Como se vê, é o Norte e o centro do País que polarizam o maior número de concelhos com o menor poder de compra.
É de destacar as regiões que, na gíria popular, são conhecidas pelo «cavaquistão», «jardinismo» e «caciquismo» a que se associam as regiões de Trás-os-Montes, Pinhal Interior – Norte e Sul – e Serra da Estrela.
Registe-se que a Sul do Tejo só há um concelho nas circunstâncias atrás referidas.
Há quem minimize esta tragédia social referindo que se trata de pequenos concelhos. Não é totalmente verdade.
Há um concelho com mais de 30 000 habitantes, como é o caso de Câmara de Lobos.
Há três concelhos com mais de 20 000 habitantes como são os casos de: Baião, Cinfães e Celorico de Basto.
Há três concelhos com mais de 10 000 habitantes como são os casos de: Resende, Valpaços e Vinhais.
Em todos estes concelhos residem cerca de 227 000 habitantes, todos eles cidadãos com direitos e que, independentemente da elevada ou pouca concentração populacional, merecem todo o apoio do Estado na melhoria das suas condições de vida.
Por aquilo que é publico e notório o Governo tem por objectivo estratégico o esvaziamento das funções sociais e serviços do Estado, cuja política também penaliza largas camadas populares em função do lugar onde se nasce e reside.
Tal política, sendo transversal a todo o território, afecta muito as regiões mais desfavorecidas, impedindo-as de se aproximarem das regiões com maior índice de poder de compra e contribuindo para o crescente despovoamento do interior do nosso País.
Evolução do IPC de 2009 a 2011
Na análise aos dados comparativos entre 2009 e 2011 verificámos que houve um numeroso grupo de concelhos que viram diminuir o seu índice de poder de compra no espaço temporal atrás referido.
Que regiões abrangeram esses concelhos?
- distritos cujas médias salariais superam as médias do País: Setúbal e Lisboa;
- distritos e regiões com forte influência no turismo: Faro e Madeira;
- distritos do Alentejo: Portalegre e Beja.
O distrito mais afectado foi o distrito de Setúbal onde cerca de 77% dos seus concelhos viram o respectivo IPC diminuir comparativamente a 2009. Estão neste caso os concelhos de Montijo, Almada, Alcochete, Grândola, Barreiro, Santiago do Cacém, Alcácer do Sal, Palmela, Setúbal e Moita. Destes dez concelhos a situação mais grave diz respeito ao Montijo, que passou de um IPC de 136,85 para 103,97 e de Almada, que passou de 122,15 para 109,80.
A seguir ao distrito de Setúbal surgem a Região Autónoma da Madeira e o distrito de Portalegre onde cerca de 64% e 60% dos respectivos concelhos viram diminuir o seu IPC.
Com taxas balizadas entre os 50% e 60% temos os distritos de Lisboa, Faro e Beja.
Em contrapartida não houve nenhuma diminuição no IPC em nenhum concelho dos distritos de Bragança e Viana do Castelo, mas as suas populações têm índices de poder de compra dos mais baixos do País.
Como se explica tudo o atrás referido? As explicações só podem ser dadas pela soma conjugada de vários factores.
Roubo nos salários da função pública
Nos concelhos mais populosos, com elevados efectivos de funcionários da função pública, de empresas do sector empresarial do Estado, de militares e forças de segurança, a que acrescem universidades e grandes hospitais públicos, é visível uma redução do IPC.
Alguns exemplos:
No concelho de Lisboa o IPC desceu de 232,54 para 216,88.
No concelho do Porto desceu de 178,77 para 161,65.
No concelho de Coimbra desceu de 144,88 para 131, 69.
No concelho de Aveiro desceu de 134,76 para 126,68.
No âmbito do roubo praticado aos salários as maiores vitimas têm sido os funcionários públicos, quer pelo valor da redução salarial individual, quer pelo número de trabalhadores envolvidos. Acresce a este retrocesso salarial outras situações parte das quais passamos a enumerar.
Aumento dos Impostos
Uma das mais importantes explicações para a redução do poder de compra reside no aumento do IRS e demais impostos.
Embora não conheçamos nenhum estudo que identifique o impacto do aumento do IRS na redução do poder de compra, conhecemos alguns exemplos que tipificam o seu efeito em certas camadas sociais.
Vejamos um pequeno exemplo:
- Caso de um reformado do sistema público de Segurança Social com uma reforma mensal entre os 1150 e os 1200 euros: na comparação do IRS pago entre 2008 e 2012 houve um acréscimo, neste espaço de quatro anos, de 64,41%!
No período atrás referido, ao efeito gravoso do aumento de impostos acresce o efeito igualmente gravoso do aumento do custo de vida em cerca de 8%. Conjugando o aumento dos impostos com o aumento da inflação e com o congelamento das pensões, tudo isso acumulado traduz uma perda de poder de compra mensal em cerca de 133 euros.
Mas se ao aumento de impostos acrescentarmos a redução dos vencimentos a situação ainda se torna mais dramática.
Vejamos, a este propósito um outro exemplo:
- Caso de um primeiro-sargento colocado na 2.ª Posição Remuneratória: na comparação do salário mensal líquido haverá um corte no rendimento mensal de 255,88 euros tomando como referência Janeiro de 2014, comparativamente ao ano de 2010.
Congelamento e redução do vencimento no sector privado
Ainda não estão disponíveis os dados dos «Quadros de Pessoal» reportados a 2011. (Nota: o Governo prepara-se para atrasar e, eventualmente, sonegar muita informação sobre os «Quadros de Pessoal», a pretexto da falta de recursos humanos.)
Mas por aquilo que retivemos do ano anterior ficámos a saber que houve uma redução no salário base nos distritos da Guarda e de Portalegre, bem como reduções, a nível do País, em vários sectores e em muitas profissões.
A par destas regressões salariais sabemos que o patronato está apostado na substituição de funcionários mais antigos e com salários mais elevados por jovens com baixos salários e com contratos a prazo, medidas que potenciam a redução do poder de compra.
Acresce a este estratagema o recurso às admissões temporárias de estagiários – num repetido entra-e-sai –, cuja actividade intermitente possibilita a muitos patrões não ter trabalhadores efectivos e assim poder, pelo clima de insegurança, baixar o custo do trabalho.
Desemprego
O desemprego tem consequências dramáticas no rendimento disponível.
Aqueles que dele beneficiam vêem o seu rendimento bastante diminuído face ao salário que recebiam enquanto trabalhadores no activo. O drama maior reside no facto de mais de metade dos desempregados não usufruírem um cêntimo sequer de subsídio.
Funções sociais do Estado
A limitação no acesso ao Abono de Família, a retirada a muitos cidadãos do Rendimento Social de Inserção bem como os entraves colocados no acesso ao Complemento Solidário para Idosos ajudam a explicar a diminuição no rendimento familiar, factores nada negligenciáveis no IPC.
Concluindo
A política de empobrecimento é transversal a todo o País e abrange todos aqueles que dependem dos salários e dos apoios sociais do Estado para poderem satisfazer as suas necessidades, mesmo que modestamente.
Entretanto, neste contexto de «fascização social», assistimos a uma galopante acumulação capitalista.
Com efeito, em 2012, comparativamente ao ano anterior houve um aumento de 11,1% na fortuna das grandes famílias fazendo com que as 870 mais ricas tenham um património acumulado de 75 mil milhões de euros.
Estamos num perfeito sistema de vasos comunicantes. Aquilo que é roubado a milhões de portugueses é aquilo que é drenado para o património de meia dúzia de oligarcas, cujo objectivo para além da maximização do lucro é decidir o que há a decidir no Conselho de Ministros.
Fonte: Estudo sobre o Poder de Compra Concelhio 2011, INE, Novembro de 2013.