Paz difícil na Síria
O ministro dos Negócios Estrangeiros sírio acusa os «rebeldes» de impedirem a entrada de ajuda humanitária em Homs e a saída de civis da cidade sitiada. «Um dos principais líderes da oposição ameaçou que, se um comboio (de ajuda) entrasse, abriria fogo, porque o que quer é sair com as suas armas para outras cidades», disse Walid Muallem, citado pela Lusa, esclarecendo as razões pelas quais a abertura de um corredor humanitário acordado durante as conversações de paz em Genebra, na Suíça, ainda não se concretizou.
Entretanto, os EUA acusaram a Síria de atrasar deliberadamente a destruição do arsenal químico. Em Berlim, o secretário de Estado John Kerry advertiu para as consequências do não-cumprimento do plano acordado com os EUA e a Rússia, monitorizado pela Organização para a Proibição das Armas Químicas (OPAQ) e as Nações Unidas com o envolvimento da Noruega, China, Itália e Dinamarca. A ameaça norte-americana parte de uma análise antagónica daquela que tem vindo a ser feita pela OPAQ e pela ONU relativamente ao comportamento das autoridades de Damasco na matéria, mostrando que em Washington aguarda-se a oportunidade para uma intervenção militar directa no território.
Facto, aliás, confirmado pelo teor do discurso proferido por Barack Obama na sessão sobre o estado da união, e, simultaneamente, pelo director dos serviços secretos dos EUA, James Clapper, que recentemente especulou sobre a manutenção pela Síria de «capacidade para a produção limitada de agentes biológicos» e «sistemas convencionais que podem ser modificados para o [seu] lançamento», noticiou a Lusa.
A agência noticiosa portuguesa adiantou, entretanto, que na segunda-feira, 27, uma coluna que transportava armas químicas para o Porto de Latakia foi atacada por bandos armados. A denúncia foi feita à Interfax pelo diplomata russo Mikhail Ulianov, para quem, depois do assassinato de dois peritos sírios, «há motivos para pensar que esses crimes se integram nas tentativas da oposição radical de sabotar a desmilitarização química». No mesmo sentido, o governo sírio atribui às acções terroristas a lentidão de um processo nunca realizado e, por isso, apelidado pelos especialistas de demasiado ambicioso para estar concluído em Julho de 2014, notam.
Daí também a insistência de Damasco em colocar o combate ao terrorismo no centro do debate em Genebra, onde a chamada oposição continua a fazer a sua parte para provocar o fiasco da paz, prática que deve manter, no próximo dia 10, se o diálogo for retomado.
Mas se por um lado a cúpula política anti-Assad recusa falar de terrorismo, da parte dos apoiantes dos grupos armados e da capitulação incondicional do regime a solução pode estar na aposta múltipla. O já referido James Clapper manifestou-se, por estes dias, «muito preocupado» por a Síria se ter convertido num «íman gigante para o extremismo», estimando em cerca de sete mil o número de jihadistas oriundos de mais 50 países da Europa e Médio Oriente. Esta declaração sucede outras similares de altos responsáveis europeus que admitem não apenas o recrutamento mas o fortalecimento dos «radicais». Acresce que as forças armadas da Turquia dizem ter atacado um bando vinculado à Al-Qaeda nas proximidades da fronteira, onde, comprovadamente, estes se têm movimentado para o combate sem obstáculos.
Tudo a sugerir que não está posta de parte a hipótese de, não sendo os banhos de sangue e a ameaça química os pretextos para uma intervenção, o «terrorismo incontrolável» na Síria também pode vir a servir. Não seria a primeira vez que o imperialismo criava grupos terroristas cuja ameaça justificaria, posteriormente, o lançamento de campanhas militares.