É tempo de reinventar Abril

Aurélio Santos

Só o mais descarado despudor permite ao Governo bater palmas à execução orçamental do primeiro trimestre. Repare-se em alguns números e no seu significado.

Despesas com pessoal menos 3,5% (cortes nos salários da função pública), aumento de IRS 7,8%. Isto é, os salários baixaram mas a receita de IRS subiu, claro está, graças ao enorme aumento de impostos que Passos Coelho já veio dizer que é para manter. Foi o maior aumento de impostos sobre o trabalho dos 34 países da OCDE.

A receita de IRC baixou em consequência da benesse dada pelo Governo de descida de dois pontos percentuais nos impostos para as empresas que veio beneficiar especialmente as grandes empresas. Quando a descida do IRC foi anunciada veio acompanhada da promessa de que a seguir desceria o IRS. A pergunta que fica é: quando? Daqui a 20 anos…?!

A despesa com consumos intermédios aumentou 2,5%. Explica a sra. ministra das Finanças muito alegremente que é o aumento dos juros da dívida pública que este ano ascendem a 7,3 mil milhões de euros. Vinte milhões por dia! Se dividirmos os 20 milhões pelos 40% de portugueses que pagam impostos (números do sr. primeiro-ministro) concluímos que todos os dias voam direitinhos do bolso de cada um de nós cinco euros para os «mercados» financeiros...

Mas os números mais escandalosos chegam-nos da execução orçamental da Segurança Social, vejamos: o subsídio de desemprego baixou 13%, o complemento solidário para idosos baixou 14%, o rendimento social de inserção baixou 8,4%.

É frequente ouvir-se a frase «não quero saber da política, os políticos são todos iguais». A frase é compreensível, traduz o descrédito nos políticos que nos têm governado ao longo das últimas décadas, expressa o gorar de esperanças que Abril trouxe à geração que de mais perto o viveu.

Mas é exactamente por «o não querer saber», por termos abdicado demais da nossa condição de cidadãos que chegámos aqui, deixámos os nossos créditos em mãos alheias, entregámos os destinos do País a quem não devíamos. São os números que o dizem.

O colorido de Abril foi-se acinzentando, e perigosamente vai escurecendo.

É chegado o tempo de reinventar Abril, de lhe devolver a cor. E isso faz-se participando. Faz-se votando em quem nos defenda.




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