A urgência de uma política alternativa
Dois olhares estiveram em confronto no Parlamento no debate sobre o estado da Nação. Ao cenário virtual da «saída limpa» sugerido pelo Governo, contrapôs o PCP a dramática realidade de um País mais pobre e desigual.
O estado da Nação é hoje a situação de um País que está mais pobre e em retrocesso
Foram sobretudo estas leituras distintas da realidade que se cruzaram no dia 2, com o Governo e a sua maioria parlamentar, de um lado, a exaltarem o «ambiente de recuperação da economia» e a «descida do desemprego» – refinando ainda mais a operação de mistificação em torno da tese de que o «País está melhor» –, e as oposições, do outro lado, em particular a bancada comunista, a desmontarem a patranha, evidenciando que o País o que está é mais frágil e dependente, flagelado por incontáveis dramas sociais.
A marcar o discurso da maioria e do Governo ao longo do debate esteve assim uma espécie de proclamação do «fim da crise», alimentada por um conjunto de aleivosias, uma das quais é a de que o Governo «tirou o País do memorando, sem qualquer resgate», nas palavras de Luís Menezes (PSD), enquanto Telmo Correia (CDS-PP) lhe chamaria «recuperação da soberania».
Depois de o primeiro-ministro ter dado por adquiridos os «sinais de recuperação económica e o acerto das políticas activas de emprego», Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD, asseverou mesmo que o «País está melhor e as pessoas começam a sentir mais futuro e esperança». Repetindo o refrão, Nuno Magalhães (CDS-PP) assegurou que o «desemprego desceu», que as «notícias mostram confiabilidade da economia», com as «exportações em crescimento» e a «produção industrial com trajectória positiva».
Já o ministro da Economia, Pires de Lima, centrando o discurso na «recuperação económica do País», nomeadamente no que disse ser o «regresso da confiança dos investidores», tirou mesmo da cartola o anúncio de que tinha sido conhecido nesse mesmo dia que «Lisboa é um dos centros mundiais escolhidos pela IBM».
A perpassar as intervenções dos partidos da maioria esteve por fim a preocupação de transmitir a ideia de «coesão», quer no seu seio quer no seio do Governo, e de que são os únicos a «apresentar soluções» e a garantir «estabilidade para o País». Em contrataste, acusaram as oposições de «não apresentar alternativas credíveis».
Omissões
Argumentos que acabaram por cair, um por um, ao longo do debate. Não deixou aliás de ser notado que o discurso apologético da acção do Governo tivesse pecado por muitas e variadas omissões, desde logo com tudo o que respeita à vida concreta das pessoas, seja no que toca à perda de serviços públicos ou à degradação dos cuidados de saúde, aos níveis de pobreza ou à fome.
Mas foi exactamente em torno destas questões que o PCP concentrou sobretudo a sua atenção, referindo-se, desde logo, à circunstância de o programa de intervenção da troika ter acabado mas o pesadelo não ter desaparecido.
«O que ficou foi um País economicamente destroçado, dilacerado no plano social e politicamente fragilizado por uma política que alimentou a descrença, a desilusão e a resignação», sublinhou o Secretário-geral do PCP, pondo assim a nu a fantasiosa descrição do Governo sobre a realidade nacional.
Ilusões
Num debate de cerca de quatro horas onde o Governo não quis falar do passado recente e das consequências da sua política, preferindo fazer anúncios e semear ilusões e promessas (falando das «reformas a fazer», imagine-se, Passos Coelho até inscreveu nos seus objectivos a «sociedade de pleno emprego»), coube ainda à bancada comunista – desmentindo uma vez mais a propaganda governamental – pôr o dedo na ferida das graves desigualdades sociais e territoriais que se multiplicam pelo País, situação bem ilustrada na desertificação do interior, nessa chaga que é a existência de um milhão e 400 mil desempregados, ou a existência de um milhão e 600 mil trabalhadores precários ou ainda a desumana situação para onde foram empurrados os cerca de três milhões de portugueses que vivem abaixo do limiar de pobreza.
Dramas igualmente patentes – foi ainda o líder comunista a relevar o quadro – nas vidas angustiadas e até destroçadas de quem, por exemplo, teve de entregar a casa ao banco (mais de 150 mil casas devolvidas), ou nos mais de 250 mil portugueses que nestes três anos foram obrigados a partir em busca do que o seu país lhes nega.
Peso da dívida
Foi esta face – a verdadeira face desta política e não a máscara com que o Governo a encobre – que o PCP colocou no centro do debate, mostrando, simultaneamente, como no respectivo verso o que encontramos é a concentração da riqueza num punhado de grupos económicos, uma «política apostada na construção de um modelo de subdesenvolvimento económico e social assente em baixos salários e ausência de direitos».
Em suma, contrariamente à proclamada «recuperação» repetida à exaustão – Paulo Portas repisou no final que Portugal é «mais livre» e «melhor economicamente» –, o que a vida mostra é que o «País continua a afundar-se sob o peso de uma dívida insustentável, que impede o desenvolvimento e crescimento económicos», situada hoje já acima dos 130% do PIB.
Garrotes
Ponto sublinhado com grande ênfase pelo PCP foi também o de que o actual estado da Nação não é alheio à «resignação, abdicação e colaboração submissa» de quem nos tem governado e a quem se exigia, como salientou Jerónimo de Sousa, «mais brio patriótico, mais coragem e outra política de afirmação dos interesses nacionais».
E por isso a situação actual é hoje a de um País – foi ainda o líder comunista a defini-la – «amarrado num colete-de-forças que o manieta, porque lhe alienaram os seus instrumentos de gestão política, económica, financeira e orçamental».
Instrumentos que, do seu ponto de vista, «urge recuperar», tal como às «empresas e sectores estratégicos, hoje maioritariamente em mãos estrangeiras e para servir os interesses do grande capital nacional e internacional e não o País».
Alternativa
Mas do debate não fica apenas a imagem de um País devastado socialmente, com as estruturas produtivas fragilizadas, enredado no espartilho da política de direita.
Esperança e confiança foram também tónicas muito presentes neste debate do estado da Nação, que importa reter e ampliar, ancoradas sobretudo numa certeza: ao contrário do que a direita quis fazer passar – a inexistência de alternativa a esta política –, a verdade é que há uma política alternativa capaz de dar corpo ao projecto de desenvolvimento e progresso de que o País carece e a que o povo aspira.
O PCP, pela sua parte, voltou a demonstrá-lo. E foi o próprio debate do estado da Nação que mostrou com singela clareza que é a «urgência de interrupção do caminho em curso de ruína nacional que coloca, cada vez com mais força, a necessidade da alternativa patriótica e de esquerda que o PCP propõe», como lembrou o deputado Francisco Lopes.
Aumentar a exploração
Deixada bem vincada na debate pelo Secretário-geral do PCP foi a posição de que não acompanha a tese dos que vêem na arquitectura ou na execução desta política a mão «incompetente» do Governo. Para o líder comunista, pelo contrário, o que há é uma muito bem determinada «opção política, económica, social e ideológica».
«O aumento da exploração dos trabalhadores e o empobrecimento dos portugueses não é uma consequência. Foi e é um objectivo deste Governo», acusou.