Triptico da Utopia – III

Manuel Gouveia

A ideia de que «podemos», ligada ao universo do «possível», não nos é neutra. Ela transporta simultaneamente cargas positivas e negativas de que importa dar-mo-nos conta.

Perante a afirmação dominante de um caminho único e inevitável, é sem dúvida importante afirmar a possibilidade de seguir outro caminho. Foi, por exemplo, o efeito pretendido - e conseguido - pela campanha nacional que lançámos há 13 anos «Sim, é possível! Um PCP mais forte.». É o mesmo efeito que o Partido pretende com a frase «Há alternativa».

Mas sempre que se abusa da palavra «possível» ela começa a expor o seu outro lado, e começa a marcar limites em vez de os rasgar. Em vez de «é possível» surge «o que é possível».

Um exemplo: É possível, nos próximos anos em Portugal, aumentar salários, alargar o acesso aos serviços públicos e reduzir a carga fiscal sobre os trabalhadores? Claro que sim. Como? Rompendo com o actual caminho, como o PCP propõe na sua política patriótica e de esquerda. E sem essa ruptura? Tirando situações pontuais, é impossível. E que é necessário para que essa ruptura se possa dar? Acumular força. E como se acumula força? Desenvolvendo, entre outras, a luta pelos salários e os direitos e pelo acesso aos serviços públicos.

Há quem se deixe esmagar por aquele impossível, e dali parta para a construção de uma linha programática «realista», ou seja, atrasada e utópica, que semeia ilusões como quem lança boomerangs.

Os revolucionários actuam no real mas não se deixam aprisionar por uma aparência desse real, antes o percebem nas suas contradições, nos seus perigos e potencialidades. Não esquecem que o que parece impossível hoje é o evidentemente possível de amanhã e sabem que as transformações históricas, tendo uma base material, têm um agente concreto, as massas, capaz de algo tão extraordinário como transformar uma ideia em força material.

Como nos ensinou Marx, na sua brilhante análise da Comuna de Paris, é preciso lutar com os pés bem assentes na Terra, mas os olhos bem postos nos céus. Ou, nas palavras de Guevara, «sejamos realistas, exijamos o impossível!»




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