Ser comunista é cadastro?
Do Congresso dos Jornalistas, realizado em Janeiro, saiu um diagnóstico da situação que muitos profissionais vivem e que ajuda a explicar muito do que vimos denunciando aqui: «As condições de trabalho – dimensão reduzida das redacções com os despedimentos, precariedade, baixos salários e falta de tempo – estão a ter efeitos na qualidade do jornalismo e condicionam a independência dos jornalistas.»
A degradação das condições de trabalho dos jornalistas é um objectivo dos grupos económicos que dominam a imprensa, conseguindo assim ter ao seu dispor um conjunto de profissionais mais sujeitos a pressões, como os próprios afirmaram no seu congresso. Uma situação que torna mais fácil conformar a linha editorial dos meios que detêm com os seus interesses, ainda por cima pagando menos. Mas a própria organização do Congresso dos Jornalistas deu um mau exemplo no que à isenção e independência diz respeito. Titulando uma notícia sobre uma intervenção, lê-se no sítio na Internet da iniciativa: «Jornalista do PCP defende registo de interesses.»
Um exemplo seguido recentemente por um diário, tido como de referência, no título de uma notícia sobre uma posição da Associação de Municípios da Região de Setúbal (AMRS): «Autarcas comunistas contra “terminal de aeroporto no Montijo”.» Eis como se distorce de uma penada a realidade, usando o adjectivo «comunista» para identificar a origem de uma proposta ou declaração, ainda que tenha sido feita em contextos como o Congresso dos Jornalistas, onde nenhuma outra intervenção mereceu essa caracterização, ou no âmbito de uma associação de municípios.
Os autarcas da região de Setúbal assumiram essa posição em representação das respectivas câmaras municipais, para as quais foram eleitos pelas populações. Quando comparado com outros casos de tomadas de posição de autarcas, fica claro que, para certos jornais, só os autarcas comunistas têm partido, os outros defendem os interesses das populações que representam.
Em ano de eleições autárquicas seria de esperar uma preocupação acrescida no tratamento destas matérias, nomeadamente ouvindo as partes. O ano ainda mal começou e já o Jornal de Negócios mandou esse cuidado às malvas num trabalho sobre o concelho de Beja. Num suplemento dedicado ao concelho, o Negócios não ouviu o presidente da Câmara Municipal, ao contrário do que fez em todos os suplementos idênticos que já publicou. No entanto, não deixou de ouvir os líderes das concelhias do PS e do PSD, excluindo ostensivamente a organização concelhia do PCP. O Jornal de Negócios decidiu publicar 15 páginas sobre um município onde a CDU teve maioria nas últimas autárquicas, assim como em nove das suas 12 freguesias, sem uma linha reservada à autarquia, ao PCP ou ao PEV.
Parece ser difícil de compreender, ou incómodo de aceitar, para alguma comunicação social que as populações de 10 dos 11 concelhos que compõem a AMRS, assim como de Beja, tenham votado maioritariamente nas listas da CDU. As estratégias são diferentes mas o objectivo é o mesmo: deturpar a realidade local para desvalorizar a intervenção autárquica da CDU.