«A vossa solidariedade é inestimável»
VENEZUELA Entrevistado pelo Avante! no passado dia 10, o ministro dos Negócios Estrangeiros venezuelano, Jorge Arreaza, atribuiu ao boicote e às sanções imperialistas as dificuldades no país, rebateu a falsificação da situação económica, social e política e apontou os objectivos dessa campanha, e valorizou muito a solidariedade dos «amigos e irmãos» da Revolução Bolivariana.
O imperialismo pretende justificar a intervenção na Venezuela
Pode-nos descrever a situação económica e social na Venezuela e como é que nela se reflecte o boicote imposto pelos EUA e pela oligarquia local?
A guerra económica intensificou-se depois da morte do comandante Hugo Chávez. Mais recentemente, a queda do preço do petróleo atingiu-nos particularmente, dada a dependência que mantemos desses rendimentos. A diminuição do preço não foi obra da «mão invisível do mercado», mas imposta pelos EUA, através de uma sobre-oferta, para atingir países como a Rússia, a Venezuela ou o Irão.
O boicote norte-americano conhece um novo impulso com o decreto firmado pelo então presidente Barack Obama, em Março de 2015, no qual nos acusa de constituir «uma ameaça extraordinária à segurança dos EUA». Donald Trump recrudesce depois ainda mais as sanções.
Desde então, a banca internacional rejeita transacções e crédito à Venezuela. Passamos a enfrentar extremas dificuldades para efectuar compras no mercado internacional e quando o conseguimos fazer pagamos preços muito acima da média pelos bens e serviços de que necessitamos. Vendemos o nosso petróleo mas o dinheiro que nos é devido por essa operação comercial corrente permanece bloqueado.
Para contornar o boicote e as sanções, estabelecemos acordos com a Rússia, China ou Índia. Vendemos-lhes petróleo e compramos géneros e serviços. Como é fácil de deduzir, isso representa um condicionamento na hora de fixar os preços daquilo que estamos a importar, com reflexos na nossa economia.
Estas medidas para contornar a guerra económica do imperialismo não produzem efeitos imediatos. No entanto, a situação geral do abastecimento na Venezuela é hoje muito melhor do que era há dois, três anos. Há problemas económicos decorrentes do boicote, das sanções norte-americanas, mas não existe nem nunca existiu qualquer crise humanitária. Isso é falso.
A difusão da ideia de que a Venezuela se arrasta numa crise humanitária visa justificar uma intervenção militar. O princípio da não ingerência nos assuntos internos de um país soberano é um dos pilares do direito internacional. Formalmente, esse princípio só pode ser ultrapassado em caso de emergência humanitária. É isso que o imperialismo pretende: divulgar uma crise humanitária inexistente para justificar a intervenção na Venezuela com tanques, bombardeando-nos com mísseis. Como de resto fazem no Médio Oriente.
Teme que com a aproximação das eleições provinciais, municipais e presidenciais na Venezuela voltem a eclodir focos de violência golpista?
A derrota política da direita nas eleições para a Assembleia Constituinte, no ano passado, foi de tal forma esmagadora que eles ainda estão a recuperar. Estão divididos, tanto mais que uma parte da oposição participa nas próximas eleições e outra não.
Aqueles que não participam no actual processo eleitoral movem-se em reuniões com [Mariano] Rajoy, [Emmanuel] Macron, com a União Europeia (UE) e pedem mais e mais sanções contra o seu próprio povo. Uma loucura! Representam um sector violento, bem financiado, mas uma minoria.
Neste seu périplo internacional endereçou vários convites a países e organizações para que compareçam como observadores às próximas eleições na Venezuela. Pretendem com isso contrariar a ideia de que a Venezuela não é um país democrático, como tem sido alegado?
Reputadas personalidades e entidades internacionais qualificam o sistema eleitoral venezuelano como quase perfeito. Contudo, no diálogo com a oposição realizado na República Dominicana, ficou estabelecido que convidaríamos para as eleições uma delegação das Nações Unidas, liderada pelo seu secretário-geral, António Guterres. A ONU recusou porque há partidos que decidiram não ir às urnas, e então não era oportuno...
Entretanto, convidámos a representante da UE para a política externa e outros titulares e ex-titulares de altos cargos. Para nós, quanto mais observadores vierem, melhor. Uma coisa é certa: na Venezuela não sucederá como nas Honduras, em que um candidato derrotado assume o cargo com base numa fraude comprovada. Devidamente caucionado por Washington, claro.
Por que é que há partidos políticos que se excluíram das eleições?
Essa é uma pergunta que só eles podem responder. Não participaram no sufrágio para a Assembleia Constituinte. Apostaram na violência e foram derrotados. Concorreram às eleições para os governos dos estados mas, em 24 regiões, a Revolução [Bolivariana] obteve a maioria em 20. Foram derrotados.
No diálogo ocorrido na República Dominicana, comprometeram-se, perante o chefe de Estado [Danilo] Medina, o ex-primeiro-ministro de Espanha, Rodríguez Zapatero, e representantes de países que estão longe de ser partidários da Revolução Bolivariana, a respeitar as eleições e os seus resultados. Na hora de assinar o documento pediram ao presidente Nicolás Maduro mais um mês. Este acedeu. Findo esse período, deram o dito pelo não dito e recusaram subscrever o texto.
Nem todos procederam da mesma forma. Henri Falcón, um importante líder da oposição, é candidato à presidência e tem percorrido o país sem qualquer constrangimento, em total liberdade de movimentos e expressão. Quanto aos que não participam, creio que terão recebido ordens do império para prosseguir a rábula da «crise humanitária» e da «narco-ditadura».
Quais são as perspectivas das forças bolivarianas para os actos eleitorais que se aproximam?
Apesar dos problemas económicos, observamos uma grande consciência entre os venezuelanos. Muitos daqueles que votaram em protesto nas eleições para a Assembleia Nacional ficaram chocados com o facto de a oposição, abusando da maioria no parlamento, tentar montar um golpe de Estado institucional em vez de contribuir para a resolução dos problemas.
Na Venezuela reside uma grande comunidade portuguesa e de luso-descendentes. O que é que tem a dizer-lhes?
De todas as comunidades europeias, a portuguesa é aquela que melhor se integrou na Venezuela. Há portugueses em todos os bairros. Sem esquecer a sua origem, fundiram-se com os venezuelanos. São trabalhadores e empresários, estão em todos os estratos sociais e na batalha pela superação da crise lado-a-lado com a maioria do povo venezuelano.
Encontrou-se com uma delegação do PCP liderada pelo Secretário-geral e seguiu para uma sessão promovida pelo movimento da paz. Como é que valoriza a solidariedade para com a Venezuela bolivariana e o seu povo?
É imprescindível e tanto mais extraordinária quanto se expressa sob uma intensa ofensiva político-ideológica, da qual faz parte uma campanha mediática de mentiras e deturpações acerca da situação concreta. Um país que tem das maiores reservas de petróleo do mundo e se situa a escassos quilómetros da maior potência imperialista, como é o caso da Venezuela, só consegue resistir contando com os seus amigos e irmãos. A vossa solidariedade é inestimável.