Depois das cimeiras

Luís Carapinha

A cimeira do G7 no Canadá acabou num cenário de «guerra comercial»

Quando estas linhas são escritas não se conhecem os resultados do encontro de Kim e Trump em Singapura. Contudo, não é só a anunciada cimeira entre a RPDC e os EUA que preenche a carregada agenda política internacional dos últimos dias. A cimeira do G7 no Canadá previa-se tempestuosa e assim foi, acabando num cenário de «guerra comercial» e no golpe de teatro da desautorização, via tweet, da assinatura dos EUA do comunicado final e azeda troca de palavras entre o PM anfitrião, Trudeau, e Trump.

Ingredientes no caldo entornado de crescente desatino nas relações entre aliados não faltam: o rompimento unilateral do acordo nuclear com o Irão pelos EUA e os efeitos extraterritoriais das «sanções mais fortes da história» contra Teerão que atingem adversários e parceiros, em particular os interesses da Alemanha e França, o veto norte-americano à construção do 2.º gasoduto North Stream da Rússia para a Alemanha e a escalada de parada e resposta na aplicação de taxas aduaneiras, com Trump aparentemente a espingardear em simultâneo para quase todos os lados (UE, NAFTA, Japão), são alguns deles.

Trump tentou baralhar os dados, sugerindo o retorno da Rússia ao Grupo das sete maiores economias capitalistas. Na verdade, o G8 nunca existiu senão como realidade virtual e a política dos Estados Unidos para a Rússia tem sido ostensivamente inamistosa com o reforço das sanções económicas e das pressões nos planos político, diplomático e militar. E assim a cimeira do G7 acabou de modo inédito num comunicado em formato G6, acabando por corresponder à ameaça de Macron de «prescindir» dos EUA… Nada disto é, evidentemente, coisa de somenos. Há que procurar no campo da economia, na dinâmica infrene de concentração e nas diminutas taxas de crescimento das potências capitalistas as causas profundas da instabilidade internacional e do desconcerto e tensões cruzadas entre sócios/rivais no seio da NATO, UE e edifício da tríade imperialista. Um relatório recente do Banco Mundial cita como riscos que poderão conduzir o mundo a uma nova crise em 2020 o aumento do endividamento nacional, as tensões geopolíticas, a crescente incerteza política, a subida das taxas de juro globais, o regresso das políticas proteccionistas e a eventual volatilidade nos mercados financeiros.

Paralelamente ao G7, teve lugar em Turim a esconsa reunião anual do clube de Bilderberg, confirmando o sentido de oportunidade do conclave que reúne a elite do grande capital internacional. Para além da inteligência artificial e tecnologias emergentes, as questões da UE (Brexit, Itália, etc.) e da turbulência no eixo transatlântico terão constado da apreensiva agenda. Tanto mais que também neste fim-de-semana, a China acolheu a 18.ª cimeira da Organização de Cooperação de Xangai (OCX). A primeira em que Índia e Paquistão participaram como membros de pleno direito da organização que tem como núcleo fundador a China e a Rússia, representando hoje mais de 40 por cento da população mundial.

Apesar das diferenças no seio da OCX, a declaração de Qingdao expressa o consenso em torno do «espírito de Xangai» e a procura do diálogo, cooperação e progresso comum. O esperançoso repto pela paz e em prol de um novo tipo de relações internacionais vindo da China contrasta com o final atribulado do encontro do G7 no Quebec e os ventos de crise (e de guerra) que sopram do quadrante imperialista.




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