Haja paciência

Anabela Fino

O interior está na moda. Melhor dizendo, as alegadas «preocupações» com o interior estão na ordem do dia, pelo menos no que à agenda política de alguns partidos diz respeito. Dando de barato o absurdo da insistente e persistente tónica posta no termo interior aplicado a um país que tem como comprimento máximo pouco mais de 500 km e uma largura que não vai além dos 218 km, mais a mais com um relevo em que, no continente, a montanha mais alta não chega aos dois mil metros e menos de 12 por cento do território está acima dos 700 metros de altitude, o que objectivamente faz de Portugal uma língua – e estreita –, dando de barato tamanho absurdo, dizia, ocorre perguntar o que faz correr os novos defensores do interior.

Não se pretende negar, evidentemente, o reconhecido desequilíbrio nacional, tão antigo como a sua própria história e liminarmente traduzido na tristemente célebre frase «Portugal é Lisboa e o resto é paisagem». Do que se trata é de aferir a seriedade dos que, assumindo-se como parte de pleno direito do «arco da governação» e nele tendo participado, com responsabilidades não pequenas, décadas a fio, vêm hoje arvorar-se em defensores do interior, como é o caso do CDS.

Em conferência de imprensa realizada anteontem, Assunção Cristas levantou o véu sobre as propostas a aplicar ao interior. Segundo a própria, as ditas, que amanhã serão levadas a discussão no Parlamento, foram elaboradas pelo Gabinete de Estudos do partido e tiveram em conta o pensamento do Movimento pelo Interior. Cabe aqui recordar que este Movimento reuniu personalidades como Miguel Cadilhe, Jorge Coelho, Pedro Lourtie, Álvaro Amaro, Fernando Nunes (presidente do Grupo Visabeira), Rui Nabeiro (Grupo Delta), Silva Peneda, entre outros. Ou seja, nomes do PSD e do PS, a que se junta o CDS, para proporem reduções fiscais a cidadãos e empresas, incentivos ao investimento e que, por exemplo, «todos os custos de transporte, desde a gasolina, os bilhetes de comboios ou as portagens possam ser deduzidos à colecta por parte dos contribuintes que tenham residência fiscal no interior».

Como está bom de ver, nenhuma das referidas personagens esteve – jamais!, como diria o outro – no governo ou teve qualquer responsabilidade nos custos dos transportes, da gasolina ou das portagens. Também nada tiveram a ver com o fecho de fábricas, escolas, centros de saúde, tribunais, estações de correio e outros serviços públicos que deixaram o interior mais pobre e vazio. Nada disso. Todos aterraram agora sem pecado na realidade nacional, trazendo na bagagem a solução para o desastre, como sempre fruto de pais incógnitos, e tendo a recebê-los a inefável Cristas, essa vox populique nunca foi ministra nem sucedeu a Portas no CDS e na demagogia.

Haja paciência, já que não há vergonha.

 



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