O bombardeamento

Correia da Fonseca

É um testemunho insuspeito: aquele cronista que, como aqui já uma vez se disse, escreve bem e pensa mal, tendo lugar certo graças ao segundo atributo na última página de um jornal diário da manhã, registou sem papas na escrita o desempenho de «os telejornais a abrir com abundantes descontentamentos e greves um pouco por todo o lado». Não seria indispensável esta confirmação insuspeita, vinda de quem muitas vezes sugere, embora involuntariamente, que sessenta anos atrás teria sido pelo menos comandante de castelo na organização juvenil do tempo, única e aliás de pertença obrigatória. Mas o que para aqui e agora interessa é o reconhecimento de que os telejornais, pelos vistos todos eles, convergem numa significativa prioridade noticiosa: o disparo sobre o governo, dia após dia, dos sinais de descontentamento generalizado obviamente como consequência da acção do executivo. Dir-se-ia, assim, que a informação que abre os telejornais tende a suscitar uma reprovação do governo, mas em rigor não será exactamente assim: o que está na raiz dessa prática informativa dos telejornais é a reprovação activa e muitíssimo empenhada do facto político que resistiu à intenção hostil de quem quis diminuí-lo pelo ridículo, baptizando-o de «geringonça», e desse modo acabou por conferir-lhe, involuntariamente, uma conotação quase enternecida.

Porque ela é sábia

Não há muito tempo atrás, por várias vezes a televisão nos informou de que uma das mais decisivas armas de que se serviu a direita brasileira para dominar a situação política foi a intensa e permanente «lavagem aos cérebros» praticada graças à posse da generalidade dos «media». Não espanta que tenha sido assim, até porque quase todos nós já aprendemos que é para isso, para essa peculiar lavagem por paradoxal ironia intensamente suja, que eles, os «media», vão servindo, havendo quem gaste milhões para usá-los. É, pois, neste quadro que se inscreve o bombardeamento quotidiano dos noticiários televisivos e a técnica, aliás simples, de colocar como notícias de abertura factos, ou a sombra deles, que tendam a resultar em descrédito do governo do Partido Socialista. Não é que a generalidade da comunicação social e em particular a TV tenha pelo PS uma intensa aversão: pelo contrário, até aceitará uma gestão PS se o Partido Socialista se portar bem. A questão é que o PS se portou mal ao disponibilizar-se para formar um governo minoritário, no quadro da nova correlação de forças na AR saída das últimas eleições, para que a direita PSD/CDS fosse expulsa do poder que vinha usando para desgraçar milhões de cidadãos. Esse desígnio e esse caminho é que a direita não perdoa. De onde o diário bombardeamento a que a televisão se aplica e, designadamente, até a sábia escolha das notícias de abertura dos noticiários. Porque a televisão é sábia em muitos aspectos. Sendo muita pena que alguns deles sejam feios.




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