MDM Sob o lema «Igualdade na vida – O combate do nosso tempo», decorreu em Setúbal no sábado, 27, o X Congresso do Movimento Democrático de Mulheres (MDM), cujo 50.º aniversário se assinala este ano.
A reunião magna decorreu durante todo o dia no Fórum Municipal Luísa Todi, na cidade sadina, e tudo conjugou com a natureza e objectivos do Movimento. O anfiteatro homenageia uma mulher considerada a maior cantora lírica portuguesa, a meio-soprano Luísa Todi, nascida em Setúbal no século XVIII. A saudação inicial ao Congresso foi feita por uma mulher, a presidente da Câmara Municipal de Setúbal, Maria das Dores Meira, que destacou o papel e intervenção do MDM no combate às desigualdades e discriminações, e, bem assim, o contributo daquele para a construção de uma sociedade mais justa e solidária. No palco, durante os três apontamentos culturais ocorridos ao longo dos trabalhos (grupos corais Cantadeiras Essência Alentejana e Feminino Cantadeira de Alcáçovas, e poesia com Dilia Samarth, Joana Tomé, Olga Dias e Marília Espírito Santo), e, depois, no espectáculo de encerramento (no qual participaram Graça Ochoa, Joana Tomé, Kelly Veiga, as Cantadeiras de Pias e os demais grupos corais presentes e Celina da Piedade), estiveram sempre mulheres.
Entre os mais de 500 participantes na reunião, dos quais cerca de 300 congressistas, encontravam-se muitos homens, que se assumem como aliados na luta das mulheres pela igualdade e emancipação, conscientes de que o seu êxito é indissociável da luta mais geral pela liberdade, a democracia, o progresso, a emancipação social do ser humano. E bem. Pois é uma luta de todos aqueles que vêem no Portugal de Abril um projecto carregado de futuro. De todos, em todos os momentos, sem excepção.
Expressão de saber
e combatividade
Nas duas sessões em que as mulheres disseram de viva voz o que sabem, querem e pelo qual se vão bater sem tréguas, o eixo dominante foi a permanente luta contra todas as formas de discriminação e desigualdades que as atingem especialmente, contra a exploração e violência no trabalho, na família e na sociedade. Contudo, as cerca de três dezenas de intervenções que aconteceram desde o meio da manhã até ao meio da tarde traçaram um retrato impressivo de conhecimento da situação concreta das mulheres e deixaram a certeza de que, nas suas mãos, as aspirações transformadoras serão levadas a cabo: a luta pela igualdade na vida, a exigência de uma política de igualdade indissociável da justiça social e do desenvolvimento do País.
Houve ainda tempo para aprovar duas moções – sobre o 25 de Abril e a defesa da paz e da solidariedade – e uma declaração, na qual se exorta as mulheres a comemorarem o Dia Internacional da Mulher em todo o País e a fazerem da manifestação nacional de mulheres, a 9 de Março de 2019, um ponto alto da sua luta. Saudou-se também, as delegações estrangeiras presentes, oriundas da Guiné-Bissau, Espanha, Angola, Moçambique e Cabo Verde, e ouviu-se a presidente da Federação Democrática Internacional de Mulheres, a salvadorenha Lorena Peña, saudar o MDM e a sua actividade e lembrar que empurrar as mulheres para um papel de subalternidade só serve os interesses do sistema baseado na exploração, na depredação e na guerra.
Mas o que emerge de entre as comunicações, algumas incidindo sobre temáticas particulares, casos e testemunhos, como os trazidos por Elsa Dias sobre patologia mamária, Joana Tomé a respeito da orientação sexual, Mónica Leitão a respeito da luta pela defesa da Lei da IVG e a saúde sexual e reprodutiva das mulheres, é o facto de as mulheres terem consciência plena do contexto social em que se inserem, e em cujo poderes públicos, publicados, privados e corporativos ou empresariais as procuram amesquinhar. Ora não apresentando as soluções que se impõe, ora agravando a supressão de direitos que deveriam ser básicos e incontestáveis em qualquer sociedade que se pretende (e tantas vezes se afirma) civilizada, ora, ainda, projectando da mulher um ideal-tipo retrógado, não raramente travestido de modernidade para melhor a sobre-explorar.
Neste âmbito, foram de extraordinária riqueza as intervenções de Regina Marques, Ana Souto, Isabel Cruz, Joana Lima, Mónica Ramôa, Fátima Amaral e Fátima Messias, que mostram que a evolução da situação nacional e internacional tem consequências na vida das mulheres, e evidenciaram a actualidade da sua luta pelo direito ao trabalho, por melhores serviços públicos e funções sociais do Estado e em defesa da paz.
Semelhante apreciação pode ser feita em relação às palavras acertivas proferidas por Catarina Morais, Márcia Oliveira, Etelvina Ribeiro, Margarida Abrantes e Manuela Alberto Silva quanto à pobreza e à justiça social, à interioridade, ao trabalho com direitos e ao direito à mobilidade.
Ecoaram forte, também, os conteúdos das comunicações de Fernanda Lapa sobre o direito das mulheres a criar e fruir da cultura, de Lilly Nóbrega sobre a luta contra a legalização da prostituição, de Inês Zuber quanto à imagem das mulheres na comunicação social e na publicidade, de Anabela Laranjeiro a respeito da natalidade, maternidade e famílias, de Filomena Pires sobre a alteração das mentalidades, de Sílvia Vasconcelos sobre violência doméstica e de Manuela Antunes da Silva sobre outras formas de violência.
Ficou claro que, sendo certo que só a alteração da estrutura sócio-económica pode propiciar verdadeiras mudanças, aqui, entre as mulheres do MDM, esta é uma luta para continuar todos os dias, cabendo-lhes, em primeiro lugar, a iniciativa de fazer acontecer a mudança: nas ideias e na base material donde nascem, com pequenas e grandes lutas, espaço público como na esfera privada. Na lei como na sociedade.
Depois de votada sem reparo uma alteração aos estatutos do MDM motivada pela mudança da sede social, o mesmo sucedeu na eleição dos conselhos Fiscal e Nacional. Intervindo na terceira sessão como relatora da Comissão Eleitoral, Sandra Benfica explicou que das 120 mulheres que passam a integrar o Conselho Nacional do MDM, 63 fazem-no pela primeira vez, oriundas de 17 distritos de Portugal continental e ilhas. A média etária é de 52 anos, precisou ainda, antes de revelar que a «proposta não contempla cerca de 35 das actuais conselheiras, sendo que em duas situações transitam para o Conselho Fiscal (5 membros)», e que «o actual Conselho Nacional passou de 94 para 120 membros» justamente para avançar na concretização das linhas estruturantes assumidas.
Foi também aprovada a Resolução do Congresso, sujeita a discussão na fase preparatória do Congresso e melhorada com dezenas de propostas de alteração, disse, por sua vez, Tânia Mateus, relatora da Comissão de Redacção.
Décadas de glória
O «movimento que atravessou a história do nosso País e onde as mulheres foram protagonistas», que nasceu «nos tempos da opressão fascista» mas que «alargou exponencialmente a sua acção nos tempos gloriosos da Revolução de Abril, organizando as mulheres portuguesas para a luta contra o obscurantismo, a inferioridade e a desigualdade e pela consagração dos direitos das mulheres, na lei e na vida», como refere a Resolução do Congresso, cumpre, este ano, 50 anos. A efeméride deixou marca em Setúbal. À hora do almoço, foi inaugurada uma placa alusiva ao meio século de existência do MDM e à realização em Setúbal do seu 10.º Congresso, deixando gravado na Avenida Luísa Todi, junto ao coreto, a ocorrência na cidade de um momento alto do combate feminino em Portugal.
Intensa actividade
Tratando-se de uma reunião magna destinada a proceder ao apuramento do trabalho realizado e a traçar linhas orientadoras para o futuro, a primeira intervenção no congresso do MDM tratou do balanço da actividade acontecida desde 2014. Dessa ímpar intervenção deu conta Rosa Peças, que sintetizou o conteúdo de um documento na posse das congressistas.
Sublinha-se o cumprimento das linhas definidas no 9.º Congresso do Movimento visando agir, defender e exercer direitos, e afirmar a luta das mulheres no contexto da ofensiva contra direitos sociais e laborais protagonizada pelo governo PSD/CDS.
No novo contexto político, decorrente das eleições de Outubro de 2015, a prioridade do MDM é lutar pela igualdade na vida, na exigência de uma verdadeira política de igualdade indissociável da justiça social e do desenvolvimento do País.
Denúncia e esclarecimento
Ganha relevo, igualmente, a intervenção do MDM na denúncia, combate e proposta, com importante intervenção institucional, de mobilização e esclarecimento, entre outras, em torno da exploração laboral e da violação dos direitos de maternidade e paternidade, contra todas as formas de violência e sobre-exploração das mulheres, como sejam a prostituição, o tráfico humano, a violência doméstica e no namoro.
Sempre que as mulheres eram alvo de particular ofensiva do patronato nos locais de trabalho, o MDM esteve lá ou teve uma palavra forte a dizer, de que serve de exemplo o recente caso de repressão e perseguição contra uma trabalhadora do sector da cortiça. No plano internacional, o MDM foi estribo seguro da solidariedade para com as mulheres, os povos em luta e na defesa da paz.
Vários projectos, campanhas e iniciativas foram dinamizados pelo MDM desde 2014, importando frisar o 2.º Congresso Maria Lamas, as celebrações do Dia Internacional da Mulher (8 de Março) e as manifestações nacionais de mulheres ocorridas nos últimos três anos, todas traduzindo-se em fundamentais actos de massas e de afirmação.