A luta é o único caminho

António Santos

É já a maior greve dos últimos trinta anos no Sul dos EUA. Mais de 22 mil trabalhadores do gigante das telecomunicações AT&T aderiram, em nove Estados, a uma paralisação total que já dura há uma semana e que ilustra a abertura da reconfiguração do movimento sindical estado-unidense: pressionadas pela classe trabalhadora, as organizações sindicais estão a deixar o lobby e a regressar à luta.

Esta foi uma luta começada pelo patronato. Quando, a 3 de Agosto, o contrato colectivo de trabalho caducou, os accionistas da AT&T, que em 2018 festejaram lucros de 91,3 mil milhões de dólares oferecendo ao seu presidente executivo, Randall Stephenson, um bónus de 29 milhões de dólares, viram uma oportunidade para aumentar ainda mais as suas fortunas.

A proposta de novo contrato apresentada pelos patrões foi sinteticamente definida pelo sindicato do sector, os Trabalhadores das Comunicações da América (CWA na siga inglesa), como pertencendo «aos anos vinte». E não se referia ao século XXI.

O patronato pretendia liberalizar os despedimentos em função de objectivos de produção a definir livremente pela administração, aumentar o custo dos seguros de saúde, eliminar várias categorias profissionais técnicas, manter o salário inalterado e obrigar os trabalhadores a estarem disponíveis para entrar ao serviço 24 horas por dia, sete dias por semana, mediante um aviso com apenas quatro horas de antecedência.

A proposta era já de si insultuosa, mas o CWA nunca deixou de manifestar-se disponível para negociar. Como é apanágio da federação sindical que integra, a AFL-CIO, o CWA empenhou-se no diálogo, recorreu à influência de congressistas eleitos por campanhas financiadas com quotas sindicais e abriu a porta dos compromissos e concessões. Mas todos os costumados truques de conciliação da AFL-CIO esbarraram num muro de intransigência: o patronato sentou à mesa das negociações «especialistas» sem qualquer poder para negociar. E enquanto as «negociações» prosseguiam, o novo contrato já vigorava na prática.

Perante esta postura, os trabalhadores abrangidos pelo contrato, na Geórgia, na Florida, no Alabama, no Kentucky, na Louisiana, no Mississippi, na Carolina do Norte, na Carolina do Sul e no Tennessee, votaram (por 97 por cento a favor) em autorizar a greve. Não é algo inédito no sector: em 2017, 17 mil trabalhadores da AT&T paralisaram um dia na Califórnia e, em 2016, 40 mil trabalhadores de Verizon cumpriram seis semanas de greve em toda a costa Leste. Uma novidade reside na geografia, é certo, porque o Sudeste tem menos tradição grevista, mas é a tendência, no quadro federal, para a autorização de greves que importa sublinhar. Segundo o Escritório de Estatísticas do Trabalho da Casa Branca, só em 2018 houve mais estado-unidenses em greve do que em toda a década anterior e o número de greves não era tão elevado desde 1986.

O que vai de 2019 confirma a tendência crescente para recorrer à greve: só nos últimos meses, 150 mil trabalhadores da indústria automóvel, 60 mil trabalhadores de supermercados, 85 mil profissionais de saúde e 25 mil professores autorizaram greves nos EUA.

De costa a costa, os trabalhadores estado-unidenses estão a redescobrir as suas velhas tradições de luta de classes. À medida que se aprofunda o processo de fascização em curso, o capital mostra-se menos dialogante, mais indiferente às aparências democrático-institucionais e menos disponível para negociar compromissos. Foi com esse fim em vista que, em 2016, a AT&T ofereceu 4,2 milhões de dólares à campanha de Trump que, prestimoso, logo devolveu o favor com isenções fiscais que permitiram a Randall Stephenson poupar 3 mil milhões de dólares.

Neste contexto, a greve é o instrumento com que o proletariado estado-unidense arranca todas as suas vitórias.




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