Pontos nos “is”
INTERVIR Frustrados que foram os esforços e meios, em dimensão não desprezível, que ao longo de meses e anos se jogaram para transformar o PCP em força política irrelevante, aí está, de novo e pelas mesmas mãos, o porfiado objectivo de quem por razões de classe não tolera o papel do PCP na vida política nacional. É da vida, ou mais propriamente, da luta de classes que lhe sub jaz.
Destaque: É da estabilidade das condições de vida dos trabalhadores e do povo que importa cuidar
Há quem diga que tudo tem a ver com a nova fase da vida política nacional e o papel determinante do PCP. Conceda-se, parcialmente, a tese. Com duas observações que contribuem para colocar as coisas no devido lugar. A primeira, é a que resulta da constatação óbvia de que a ofensiva é inseparável do que o PCP representa, pelo que essa ofensiva não é de ontem nem de hoje, nem se finará amanhã. A segunda, é a de que se essa ofensiva e a sua intensificação recente tem alguma relação com a vida política ela deve ser encontrada no facto de os centros do grande capital e dos círculos reacionários não perdoarem que por iniciativa do PCP se tenha interrompido toda uma trajectória que tinham como inelutável no projecto de liquidação de direitos, intensificação de exploração e empobrecimento nacional.
Inconformados com a resistência eleitoral do PCP ei-los, esses mesmos, a jogarem o que têm à mão não só para agigantar a redução da expressão eleitoral mas para a acompanharem de uma estudada narrativa dirigida à difusão da ideia de um Partido isolado, zangado com os resultados e desistente de contar para a solução dos problemas.
Tudo baseado na absurda construção, repetida até à náusea, de uma alegada recusa do PCP de viabilizar um imaginável acordo sem o qual, profetizam, o País ficaria suspenso e a instabilidade instalada. Fingindo todos ignorar, porque não é credível que não o reconheçam, a evidente distinção da situação e da conjuntura face à de há quatro anos atrás.
A razão de existência de tal “papel” ou “acordo” como alguns denominam – tão só um texto que se designou de «posição conjunta para solução política» - é inseparável do que em 2015 se enfrentara: a obsessiva insistência do então Presidente da República, Cavaco Silva, para salvar a todo o custo o governo de PSD/CDS que patrocinava e as ilegítimas exigências que colocava, as quais o PS assumiu, de se recusar a indigitar António Costa para formar governo se não houvesse garantias escritas (o tão falado papel). São essas as circunstâncias que levaram então à elaboração de um texto que viria a assumir a designação acima referida.
Os factos e circunstâncias revelam-se sem margem para serem ignorados: o que ocorreu em 2015, a 10 de Novembro – a indigitação do primeiro-ministro –, processou-se com toda a naturalidade a 8 de Outubro de 2019, ou seja 32 dias antes, sem quaisquer outras exigências ou procedimentos adicionais.
A veiculação insistente nos últimos dias de que o PCP estaria de fora de algo que de facto nunca existiu nos termos em que é apresentado é, em si e por isso, absurda. Tão mais absurda quanto se quer atribuir a essa questão (um alegado acordo para o que designam como “geringonça”) o que ele nunca significou, e que só pode sobreviver no imaginário dos que metodicamente se dedicaram ao longo de quatro anos a difundir a mentira sobre a pretensa existência de um governo de esquerda, de uma maioria de esquerda ou sequer de uma maioria parlamentar.
Segundo esses, o PCP não garantiria hoje o que alegadamente havia garantido em 2015: um acordo para a legislatura transformado em voz mediática de “apoio ao governo” que como se sabe, pura e simplesmente, não foi subscrito nem existiu. Segundo esses o PCP não asseguraria hoje o que alegadamente havia assegurado em 2015, ou seja a aprovação do conjunto de Orçamentos do Estado da legislatura que como se verifica pela simples leitura da «posição conjunta» não existe de todo, pois o que foi feito foi a apreciação de cada Orçamento do Estado e a decisão sobre cada um na base do seu conteúdo e sem qualquer compromisso prévio da sua aprovação.
O que resulta destas eleições é o que resultou das de 2015: um governo do PS minoritário, com o seu próprio programa que só o PS e o seu governo responsabiliza. O PCP não quis nem quer ser parte de uma “solução de governo” que de todo não tem correspondência com o seu programa e projecto.
A rábula sobre se há ou não acordo, há ou não papel, não é inocente. É uma urdida construção para tentar isolar o PCP, atribuir a um texto escrito um valor que não tem para lá do que o justificou em 2015, insinuar que o alegado “acordo” significaria em si a expressão de vontade, ou ausência dela, de determinação em corresponder ao que o País exige de medidas para avançar em direitos e rendimentos.
Uma operação destinada a desviar a atenção do que importa efectivamente esclarecer: a disposição de cada um para esclarecer no concreto se concorda ou não com o que de ponto de vista político é necessário adoptar como opções para romper com elementos estruturais da política de direita e das medidas que em concreto prossigam e inscrevam avanços na defesa, reposição e conquista de direitos que nos últimos anos com a intervenção decisiva do PCP, e a luta dos trabalhadores, se inscreveram.
O que se impõe ver respondido não é quem está ou não disposto a um “acordo”, mas sim quem dá o seu acordo à valorização do trabalho e dos trabalhadores, à reposição do aparelho produtivo e defesa da produção nacional, à recuperação pelo País do controlo dos seus sectores estratégicos, ao investimento e financiamento em falta nos serviços públicos, a uma justa política fiscal.
O que se impõe ver respondido não é quem está ou não disposto a um “acordo”, mas sim quem dá o seu acordo quando chegar o momento de, entre outras questões, aprovar a revogação das normas gravosas da legislação laboral, de aumentar os salários de todos os trabalhadores e fixar o salário mínimo nacional em 850 euros, garantir o aumento geral e real das pensões de reforma, garantir creche gratuita a todas as crianças até aos três anos, assegurar o investimento necessário no SNS e no conjunto dos serviços públicos.
É com esta iniciativa e determinação do PCP que os trabalhadores e o povo contam. A vida julgará a partir do posicionamento que todos e cada um dos outros partidos vierem a assumir perante as propostas e soluções pelas quais o PCP se baterá.
Não há nenhum problema de estabilidade colocado para lá do que a acção política do governo tem de assegurar.
Assim foi ao longo de décadas com a larga maioria de governos minoritários, como o que agora cessa funções e o que vai ser empossado, que ao longo de décadas exerceram funções.
É da estabilidade das condições de vida dos trabalhadores e do povo que importa cuidar, não de uma estabilidade governativa se ela significar instabilidade social.
Será em função das opções do PS, dos instrumentos orçamentais que apresentar e do conteúdo de que legislar que o PCP determinará, como sempre, o seu posicionamento, vinculado aos compromissos que assumiu com os trabalhadores e o povo. Como aliás fez com total independência nos últimos quatro anos, afirmando a sua oposição a todas as medidas contrárias aos interesses dos trabalhadores, do povo e do País, intervindo decisivamente para construir soluções e respostas para esse problemas.
O PCP assumirá com a sua iniciativa, disponibilidade e determinação para fazer o País e a vida dos portugueses andar para a frente, para abrir caminho a uma política alternativa desamarrada dos constrangimentos que por opção do PS limitam e impedem a resposta aos problemas nacionais e às aspirações populares.
Da parte do PCP é esta a garantia que os trabalhadores e o povo têm como certa. É o PS, e os outros partidos, que têm de dizer ao País, para lá de palavras de circunstância, se estão disponíveis para romper com opções que em questões estruturais têm marcado e dado forma à política de direita.
Sem desvalorizar medidas que podem e devem ser inscritas como objectivos não é possível deixar de examinar opções estruturantes que a serem adoptadas podem limitar, ou impedir mesmo a sua concretização.
É a partir do seu programa e propostas, é a partir da política alternativa, patriótica e de esquerda, que o PCP determinará a sua intervenção.