Dois discursos, uma vacina

Filipe Diniz

Nas actuais circunstâncias há dois discursos que é indispensável denunciar. Um é o da «emergência generalizada» que - sendo o patronato português o que é - serve de pretexto para uma roda livre contra os direitos dos trabalhadores. E - sendo a reacção portuguesa o que é – inspira cavalarias mais altas na restrição de direitos e liberdades.

Outro sintetizou-o o inevitável Augusto Santos Silva: não fazer desta crise «uma oportunidade para combate político» e «muito menos (sic) para desgaste político do Governo». Se ASS estivesse a referir-se a uma pausa na chicana política em que os partidos da política de direita são useiros, estaria bem. Mas onde provavelmente quereria chegar é à rasura do que conduziu à enorme vulnerabilidade social, económica e sanitária de tanta gente, de países inteiros, da sua muito estimada UE. À rasura das políticas que, no nosso País como em outros, são responsáveis por tal estado de coisas.

Veja-se esta pérola UE sobre Saúde (Eurostat, 2003): «A responsabilidade por disponibilizar cuidados e financiamento cabe aos Estados Membros. Contudo, esta responsabilidade não deve impedir liberdades básicas – tais como a liberdade da oferta de serviços, de circulação de produtos médicos, ou de movimentação de trabalhadores – ou outras políticas comunitárias, de seaplicarem a esta área.»

Para a UE, as liberdades básicas do capital têm prioridade sobre o direito básico à saúde. O resultado está à vista.

Queira ou não ASS, não há «estado de emergência» que oculte o desinvestimento e a privatização, ou a alienação de instrumentos de política económica e monetária sem os quais não haverá saída nacional para a crise. E pode ser – talvez seja esse o seu receio principal - que no balanço final muito mais gente fique vacinada contra tais políticas.




Mais artigos de: Opinião

Do Estado

Andam há décadas a brandir contra o Estado. A defender o corte nas gorduras do Estado. A dizer, escrever e teorizar sobre o «menos Estado e melhor Estado». A reclamar menos pagamentos para o Estado e menor «carga fiscal». Utilizaram todos os meios de comunicação, todos os artigos de jornal, todo o tempo de televisão,...

Nem um direito a menos!

«Vai para casa e depois logo se vê», «os seus serviços são dispensados», «mete férias, temos que ser uns para os outros», «isto está tudo assim, queres o quê?», «nas férias da Páscoa também tinhas solução para os putos», «temos que aproveitar agora, toda a gente precisa dos nossos serviços», «vais para casa, mas é para...

Direitos Humanos

O imperialismo norte-americano persiste em utilizar a famigerada questão dos direitos humanos como pretexto para a ingerência, desestabilização e operações de mudança de regime por todo o mundo, consoante as prerrogativas da agenda estratégica e o imperativo da manutenção da sua hegemonia. Desiderato inseparável dos...

Hipócritas

Nestes dias de pandemia em que o coronavírus testa a capacidade de resistência da humana condição, assiste-se à proliferação de vírus de diferente espécie que, não sendo novos, nem por isso são menos letais: os vírus da mentira, do oportunismo, da hipocrisia, do egoísmo. Face a um problema global com a gravidade que...