Tenacidade e inventiva no 37.º Festival de Almada

Domingos Lobo

Mesmo em tempos complexos, de desânimo, de precariedade laboral e económica, sujeitos a um vírus invisível e letal, que espalha a morte e o medo, um surto pandémico que mudou a vida e a deixou meses suspensa, sonegada e do avesso, a gente do teatro teimou continuar a grande aventura das ilusões efémeras e tangíveis que o teatro é. Continuaram a trabalhar, mesmo no território pantanoso e inseguro dos dias frágeis, a inventar a felicidade, os instantes irrepetíveis que transfiguram o real e nos dão a mágica, metafísica verdade, o húmus da imanência, plasmados nas tábuas de um palco. Fizeram-no, apesar do crónico alheamento dos poderes, de escassos apoios concedidos à criação e fruição cultural.

A festa do teatro está de volta a Almada. Os seus responsáveis sabem dos limites que este gesto corajoso implica, mas o teatro, como a vida, não pode parar, precisamos todos de estar lá, de ver ao vivo os actores, o corpo e a voz dos actores, as luzes, os sons, o cenário: estamos cansados da virtualidade sem lastro, de teatro, de música, da solidão sentada, dos gestos enlatados. Precisamos desse simulacro de sonho acordado, desse estremecimento, de viver essa comum inquietação, das palavras que se agitam, indisciplinadas num palco, para nos sentirmos vivos.

Escreveu Rodrigo Francisco, director artístico do Festival, no preâmbulo do magnífico programa: «Talvez no futuro esta edição do Festival de Almada seja recordada como histórica, pelo mero facto de ter chegado a realizar-se. As condições em que trabalhámos nos últimos meses são conhecidas de todos, e as regras de segurança sanitária levaram-nos a ter de abdicar daquilo que porventura mais nos caracteriza: não existirá o Palco Grande, nem espectáculos ao ar livre, nem haverá “festa estival”. Mas haverá Festival.»

Histórica será, certamente, a participação no Festival de um número notável, quase cumprindo o pleno, de produções nacionais. Do Porto a Faro, estarão presentes grupos, actores, técnicos, encenadores, os quais, com tenaz engenho, rasgando as tenazes do medo, prosseguiram o trabalho de construção dos seus espectáculos: TEC – Teatro Experimental de Cascais; Companhia de Teatro de Almada (CTA); Teatrão; Ar de Filmes/Teatro do Bairro; Barba Azul; Teatro Nacional D. Maria II; Teatro Nacional São João; Artistas Unidos; Comuna; Acta – Companhia de Teatro do Algarve; Culturproject; A Turma; Um Marido Ideal; e ainda três companhias estrangeiras, a Compagnia Teatrale Fo Rame (Itália); La Tristura (Madrid) e Compañía Agnés Mateus y Quim Tarrida (Barcelona).

Segundo Rodrigo Francisco, o «ter-se chegado aqui, tornar possível este 37º. Festival, foi um alívio e uma alegria». Este programa, é uma forma de «tirar o pulso» ao que pelo País, na sua diversidade conceptual, se vai fazendo no campo das artes cénicas. Constituiu, por isso, estimulante desafio, «um gesto de grande determinação e coragem, a merecer toda a nossa solidariedade à CTA», referiu Tiago Rodrigues (actor, dramaturgo, produtor teatral e encenador), sublinhando que neste Festival «cabe todo o poder da arte, essa cola indomável; este Festival é imprescindível ao nosso teatro, por razões cívicas e estéticas, como disse Joaquim Benite», salientando que «o Festival de Almada é este ano maior do que o País».

Carlos Avilez, Rodrigo Francisco, Isabel Craveiro, António Pires, Raquel Castro, Tiago Rodrigues, Nuno Cardoso, António Simão, Nuno Carinhas, Dario Fo, João Mota, Isabel dos Santos, João Botelho (que se estreia na encenação), Tiago Correia e António Murraças, vão trazer aos diverso espaços de Almada as encenações que criaram a partir de textos de autores como Tennessee Williams, Gertrud Stein, António Ferreira, Elfried Jelinek, Dario Fo e Franca Rame, Molière e Hermann Broch, entre outros.

Esta ousada 37.ª edição do Festival de Almada, a realizar entre 3 e 26 de Julho, irá provar «neste momento complicado, que os homens de teatro são uns lutadores» como, na conferência de imprensa, afirmou Carlos Avilez. Tenazes e inventivos, dizemos nós.

No decorrer do 37.º Festival de Almada, será homenageado o grande actor Rui Mendes, pelo seu «contributo para o desenvolvimento de uma nova forma de estar no teatro», pela sua «participação desde sempre marcada por uma forte motivação cívica».

 



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