: O escândalo dos voos da CIA

Ilda Figueiredo
Na sequência de denúncias internacionais e das conclusões de um inquérito do Conselho da Europa sobre a utilização de países europeus pela CIA para o transporte e a detenção ilegal de prisioneiros, após a inadmissível invasão do Iraque pelos EUA e seus aliados europeus, o Parlamento Europeu aprovou, recentemente, por maioria, um relatório intercalar, apresentado pelo deputado italiano Cláudio Fava, em nome da Comissão Temporária sobre a alegada utilização pela CIA de países europeus para o transporte e detenção ilegal de prisioneiros.
Embora seja ainda um documento parcelar, dado que os trabalhos da Comissão vão continuar, sabendo-se que vários países não forneceram os documentos que tinham prometido, que a NATO recusou à Comissão Temporária o acesso ao texto integral da decisão do seu Conselho, adoptada em 4 de Outubro de 2001, relativa à aplicação do artigo 5º do Tratado de Washington, e que também não foram disponibilizados os acordos de entendimento entre os EUA e os países europeus, há já constatações significativas que importa ter em conta.
No referido relatório intercalar afirma-se, por exemplo, que, com base em provas apresentadas à Comissão Temporária, se é levado a crer que os serviços da CIA ou outros serviços norte-americanos tenham sido directamente responsáveis pelo sequestro, afastamento, rapto e detenção ilegais de suspeitos de terrorismo no território dos Estados-membros da União Europeia e dos países em processo de adesão e candidatos à adesão, assim como pela entrega extraordinária de, entre outros, cidadãos ou residentes europeus, o que constitui grave violação do direito internacional e dos direitos humanos fundamentais. Recorde-se, como faz a referida Comissão Temporária, que estas condenáveis entregas extraordinárias visam fazer com que os suspeitos não sejam submetidos a processos, mas transferidos para países terceiros, a fim de serem interrogados, incluindo sob tortura, e detidos em instalações controladas pelos EUA ou por autoridades locais.
Entre os casos referidos no Relatório de Fava, destacam-se:
- o sequestro pela CIA do cidadão alemão Kahaled el Masri, que esteve preso no Afeganistão de Janeiro a Maio de 2004, e que, durante esse período, foi tratado de forma degradante e desumana, o qual, antes disso, terá estado preso ilegalmente na antiga República Jugoslava da Macedónia de onde foi transportado para o Afeganistão em 23/24 de Janeiro de 2004;
- o rapto e transferência para a Baía de Guantánamo de seis cidadãos e/ou residentes bósnios de origem argelina, contrariando a decisão provisória vinculativa da Câmara dos Direitos do Homem para a Bósnia Herzegovina e apesar da decisão do Supremo Tribunal Bósnio de libertar os suspeitos. Saliente-se que, neste caso, o relatório insiste na necessidade de prosseguir as investigações para esclarecer o papel que tiveram os militares dos EUA que faziam parte da Força Multinacional de Estabilização (SFOR), sob o comando da NATO;
- insiste no prosseguimento das investigações para esclarecer a alegada existência de um estabelecimento de detenção secreto no Kosovo e o possível envolvimento de forças da KFOR na detenção ilegal de suspeitos de terrorismo;
- considera que deve ser clarificado o conteúdo do acordo assinado em Atenas, em 22 de Janeiro de 2003, em que se refere o uso crescente das instalações europeias de trânsito para facilitar o regresso de pessoas não admissíveis.
Para além do que já se escreveu, o Parlamento Europeu considera que «muitos dos voos por aeronaves da CIA ou fretados por esta, que utilizaram o espaço aéreo e os aeroportos de Estados-membros e de países em processo de adesão e candidatos, implicaram repetidas violações da Convenção de Chicago, por não terem cumprido a obrigação de obterem a autorização prevista no artigo 3.º daquela Convenção relativa a aeronaves do Estado».
Mesmo que, num caso ou outro, tenhamos reservas e até oposição a propostas pontuais que este relatório intercalar contém, avaliamos positivamente o seu conteúdo global por ser um contributo para o esclarecimento das políticas imperiais dos EUA e dos seus métodos ilegais, seja utilizando a CIA, seja a NATO e/ou os países cujos governos aceitam passivamente a submissão a práticas violadoras do direito internacional e dos mais elementares direitos humanos.


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