O Baltazar

Henrique Custódio
«O PS ficou mais rico com esta participação! », proclamou José Sócrates na noite das eleições intercalares em Lisboa. Pusera os olhos em alvo como de costume, esperara sabidamente que todas as televisões crepitassem no éter e tonitroou a coisa, naquele experimentado jeito de feirante a pregar do púlpito a gravidade dos seus baldes de plástico. A suposta multidão não tugiu nem mugiu, pelo que o novel eleito António Costa se viu na emergência de lançar umas palmas entremeadas com um esganiçado «Pê-ésse! Pê-ésse!», o que não logrou mais que uns desamparados ecos.
Parece exagero mas não é. Isto viu-se e ouviu-se nos três canais de televisão, quando finalmente os vencedores da noite se apresentaram às câmaras para os fastos da vitória. E mostraram-no claramente: a festejar a vitória do PS frente ao Altis, «o povo de Lisboa» resumia-se a umas magras centenas de mirones que, ainda por cima, foram maioritariamente arrebanhados por esse País fora.
Também parece exagero, mas não é, como se viu nas mesmas televisões. Buscando os apontamentos de reportagem do costume, os repórteres de serviço foram interpelando os manifestantes e houve de tudo, como na farmácia: uma velhota declarava «eu não sei onde é que estou! », pois só sabia que era de Cabeceiras de Basto e havia sido trazida para uma excursão a Fátima, outro idoso, mas do Alandroal, sabia um pouco mais pois afirmou que «foi mesmo o carro do partido que veio buscar a gente! », outro declarava simplesmente que «fomos numa excursão a Mafra, o motorista é que nos trouxe para aqui!», enquanto um alentejano de Castro Verde evidenciava uma rara consciência política da coisa ao afirmar que «Quem corre por gosto não cansa! », após informar que tinha começado por vir em excursão ao Parque das Nações.
Ao contrário das televisões, onde em estúdio não houve uma alma que tecesse o mais leve comentário a este despautério (apenas Jorge Coelho se torcia na SIC com o desenrolar das declarações dos manifestantes, isto até se recompor e afivelar o seu famoso sorriso-todo-o-terreno), os jornais do dia seguinte escarrapacharam que o PS havia organizado excursões de reformados em concelhos tão longínquos como Alandroal, Cabeceiras de Basto ou Famalicão para, a pretexto de um passeio a Fátima, a Mafra ou a outro sítio qualquer com refeições incluídas, todos desaguassem em frente ao Altis na noite eleitoral lisboeta, onde os aguardavam bandeiras aos montes (que as televisões mostraram, literalmente amontoadas no passeio) para agitarem a festejar a vitória de António Costa. O PSD de Cabeceiras de Basto fez mesmo sair um comunicado onde acusava o PS local de «utilizar os idosos, e dos mais desprotegidos, levando-os a Fátima e à festa de António Costa em Lisboa» colocando «idosos do nosso concelho como meros figurantes num acto que em nada lhes diz respeito».
A isto, a direcção nacional do PS já respondeu que considera estas denúncias «coisas irrelevantes, de rodapé».
Exactamente como o fascismo considerou as denúncias sobre a famosa manifestação que Salazar mandou arrebanhar por todo o País para se exibir no Terreiro do Paço «em desagravo e apoio ao regime», onde ficou famosa a resposta de uma velhota do interior Norte, quando lhe perguntaram o que tinha vindo fazer. «Vim ver o Baltazar! », respondeu ela.
Pelos vistos, o Baltazar regressou. Com Sócrates, o que está a tornar o PS «mais rico».


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