Investimentos e fontes da caridade cristã
Na Comunidade Europeia e na generalidade dos países capitalistas a Igreja católica e as instituições dela dependentes (sobretudo na área social) funcionam como uma zona franca pronta a receber capitais das mais diferentes origens. Torrentes de dinheiro jorram a todo o momento nos cofres eclesiásticos sem jamais terem passado pelo crivo da fiscalidade. «Nascem solteiras» e solteiras morrem, como por milagre, nas profundezas insondáveis das «contas cifradas» do Banco do Vaticano e dos off-shores cujos «cordelinhos» são manejados pela alta hierarquia católica.
Anteriormente, vimos o caso do «Óbolo de S. Pedro», aparentemente destinado a financiar acções de beneficência da Igreja. Porém, quando estoirou o grande escândalo da falência do Banco Ambrosiano ficou provado, entre outros factos da maior gravidade, que essas reservas tinham servido para apoiar o conspirador polaco Lech Walesa e para comprar uma rede de traidores infiltrados no governo polaco. Muitos outros casos idênticos vieram depois a lume na América do Sul, em Itália, nas áreas mais ricas em matérias-primas de África e da Ásia, nos passos atrás dados na União Soviética e noutros estados socialistas europeus, na história secreta dos capitais especulativos, etc. As altas razões invocadas para a aplicação desta estratégia são sempre as mesmas: combate à pobreza, atenuação do fosso entre ricos e pobres, solidariedade e paz entre os povos, ajuda desinteressada à emancipação dos humildes explorados, reposição dos valores cristãos na vida pública; mão-de-obra não lucrativa e fragilização, em nome da democracia, dos direitos e privilégios dos cidadãos na educação e cultura, na saúde, na justiça, numa palavra, em toda a área onde o «Estado Social» possa intervir.
Dizem os cardeais, acolitados pelos bispos, que para participar num trabalho nacional tão meritório, a Igreja precisa de mais apoios do Estado: mais dinheiro e mais poder. O Vaticano tem outra vocação mais alta e mais além: a de ganhar as almas dos pobres acudindo às suas necessidades primárias. Por isso, na falta de dinheiros subsidiados pelo Estado, precisa de aliar-se aos ricos nas parcerias que faz, com banca e com as fortunas, nas redes lucrativas em que participa e na forma e nos jogos «contranatura» onde se senta à mesa dos privilegiados.
No plano ideológico, dizem os teólogos, há sacrifícios que se impõem. Declarava, nos anos 90 (estava ainda viva a doutrina da Teologia da Libertação) o cardeal De Bonis, um dos mentores do famigerado Banco Ambrosiano e dos off-shores confessionais: «A Igreja deve escolher entre S. Francisco de Assis (o defensor dos pobres) e os negócios (dos ricos)». Porém, afinal de contas, enquanto De Bonis assim falava, o Vaticano já tinha feito a sua escolha. Optou pelos ricos e assim permanece consistentemente.
O «dinheiro em caixa do IOR paralelo (aquele que não presta e nunca prestará contas) é incalculável e dá para comprar estados e mercados. Os grandes grupos bancários funcionam como suas sucursais. As mais gigantescas fortunas pessoais contam-se entre os seus depositantes. Sabe-se (através de dados revelados pelas investigações dos maiores escândalos financeiros) que os depósitos nas reservas do IOR destinadas a «obras de caridade da Igreja» se agrupam em três níveis: o primeiro nível é reservado a fundações fictícias cujas contribuições são alimentadas por altas taxas pagas por políticos e empresários nomeados para cargos cimeiros das esferas políticas e financeiras mundiais. Desta forma e de uma só penada o Vaticano assume um papel condutor na política e na economia mundial. Num segundo nível, as rubricas altamente codificadas organizam-se em carteiras de títulos geridas por uma só individualidade do Conselho Administrativo do IOR. Deste modo, o Vaticano abre-se à cooperação «blindada» com sociedades secretas, como a Máfia, o FMI, a Maçonaria ou a NATO. Finalmente, o terceiro nível de depositantes é constituído por contas em nome de entidades religiosas, congregações ou fundações ligadas a santuários cuja impunidade judicial é garantida pelas concordatas. O Vaticano reforça, deste modo, o controlo sobre os dinheiros da acção caritativa da própria Igreja. E é assim que os tesouros recolhidos em nome do combate à pobreza ou da defesa dos direitos humanos, acabam por vir a alimentar o próprio sistema que promove a pobreza, subsidia as fortunas e serve de sustentáculo aos partidos e grupos políticos mais reaccionários e adeptos a qualquer preço do capitalismo explorador.
Portugal, como se sabe, vive presentemente por entre uma teia de mentiras e a um passo da bancarrota total. Vegeta, sob a alçada de poderes estrangeiros. Se não reagir, o país afundar-se-á e a miséria do povo trabalhador será total. Nesta fase de «crise dos pobres» e que, necessariamente, será curta, o povo limita-se a ser mero espectador da sua própria queda. Olha, como se assistisse a uma telenovela, uma zanga encenada de comadres, um presidente que finge ser nosso Pai e Senhor e o mudo papel de uma Igreja cuja procissão ainda vai no adro mas em breve pisará também o palco para representar, simultaneamente, dois papéis: o do único banqueiro disponível para pagar, em silêncio, o défice do país; e o de divino patrono da paz entre irmãos desavindos, senhor da situação e único poder capaz de emudecer a voz dos explorados e ofendidos.