O mercado da política

Francisco Mota

Aqui há duas semanas, houve em Madrid umas eleições «primárias» dentro do PSOE, para designar o candidato que se vai enfrentar à actual presidente da Região Autónoma de Madrid, desde há largos anos membro do PP (sector extrema direita), Esperanza Aguirre. Não é muito habitual isto das primárias em Espanha, mas aconteceram porque o governo e todo o aparelho do partido escolheu como candidata a ministra da Saúde Trinidad Jimenez. O outro candidato, Tomas Gomez, que foi durande dois mandatos o presidente da Câmara com mais percentagem de votos, em municípios com mais de 100 000 habitantes (mais de 70% em Parla, município ao Sul de Madrid) não aceitou a decisão do PSOE, nem depois de uma larga conversa com Zapatero e apresentou-se às pré-eleições.

Toda a força e influência do PSOE começaram a disparar contra Tomas Gomez, com sondagens, notícias, declarações (o ministro do Interior, Rubalcaba, chegou a chamar-lhe «o candidato da direita»). Gomez só tinha do seu lado o trabalho feito junto das populações, o contacto directo, o corpo a corpo. O seu discurso era coerente para um social democrata, espécie em extinção, contra o discurso de Jimenez, que repetia que ela ia derrotar a candidatado PP e Gomez não o podia conseguir. As sondagens eram diárias. Zapatero apoiou explícitamente Jimenez.

Quando se votou produziu-se o mais desagradável para a direcção do PSOE: Gomez ganhou. Rapidamente apareceu em cena a unidade do partido com os dois candidatos abraçados e os ministros, a conta gotas, a prometer todo o apoio a Tomas Gomez e a reafirmar que o partido tinha saído reforçado deste proceso. Muita raiva contida e muito sorriso amarelo.

Estes os factos, contados brevemente. Agora dois comentários:

A direcção do PSOE teve uma derrota que vai muito mais longe do que o resultado destas eleições. Zapatero, que já estava em horas baixas, viu como em 29 de Setembro uma greve geral paralisou boa parte de Espanha e mobilizou centenas de milhares de pessoas, nas manifestações que se realizaram em dezenas de cidades no fim do dia. A maior parte dessa gente é militante ou votante do PSOE. Poucos dias depois os militantes do PSOE dão uma indicação clara de que o país não se comanda «dos salões confortáveis do governo» mas com a gente da rua. Começou a falar-se claramente de post-zapaterismo.

Argumentam, em voz baixa, os defensores do governo: a diferença foi só de 500 votos. Claro que é pouco, mas estamos a falar de que universo de votantes? Votaram 14 668 militantes, o que representa 80,96% da totalidade da gente com cartão do partido na região autónoma de Madrid, que tem cerca de 6 000 000 (sim, seis milhões de habitantes). Ou seja, o PSOE tem cerca de 18 000 militantes na região autónoma de Madrid. Esta situação é geral em toda a Espanha, PP incluido. Isto significa um estranho conceito de democracia interna. Por outras palavras: não existe. Mesmo que os militantes se reunissem, apesar de poucos, a sua opinião será sempre minoritária em relação à sociedade. Então como se conseguem os 10 milhões de votos que PSOE e PP têm nas eleições? Pois com a televisão, as rádios, os jornais, os jogos de influência, tudo isso que conhecemos em Portugal, mas muito mais bem feito, com encenações perfeitas de comícios transmitidos em directo, autocarros cheios de gente das províncias e a manipulação constante e diária. O Rajoy do PP é o polícia mau e o Zapatero (do PSOE) é o polícia bom. Apesar de discutirem muito no Parlamento, às vezes com voz grossa, dizem exatamente a mesma coisa.

Só muda a empresa estado-unidense de marketing que cada um contratou. Não é a política de mercado, é o mercado da política.



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