Margem insubmissa
Não houve nenhuma ligação fluvial entre as duas margens do Tejo
«Sozinhos é que eles não andam», disse, no terminal de transportes do Barreiro, passava pouco da meia noite, um marinheiro da Soflusa que integrava o piquete de greve. E não andaram: nem o barco da uma da manhã (o primeiro abrangidos pelos «serviços mínimos») nem os seguintes.
Os membros das tripulações previstas para a madrugada escalados para os famigerados «serviços» deslocaram-se ao local mas apenas para integrarem o piquete de greve. Como valorizou Frederico Pereira, do Sindicato dos Trabalhadores da Marinha Mercante, «todos os trabalhadores da Soflusa receberam uma carta, alguns duas, com as escalas para os “serviços mínimos”, mas não cederam». O piquete, apesar de numeroso, não teve qualquer intervenção, pois não apareceu ninguém para trabalhar...
Naquele terminal, apenas estavam a andar dois autocarros dos Transportes Colectivos do Barreiro (TCB), que terminavam então o seu turno. A sua paralisação (total!) teria lugar a partir da tarde de quarta-feira até às primeiras horas do dia seguinte. Na linha do Sado da CP não se via vivalma.
Já na Transtejo não tinham sido decretados «serviços mínimos» e não se efectuou qualquer carreira. Às seis da manhã, hora habitualmente de muito movimento, o terminal de Cacilhas estava deserto: se os barcos estavam completamente parados, os autocarros e o metropolitano chegavam a conta gotas e com muito poucos passageiros. Alguns deles, ao verem-se impossibilitados de embarcar para Lisboa, corriam para o mesmo transporte em que tinham vindo. Sabe-se lá quando chegaria o próximo... De onde viria também não se sabia pois não era dos locais habituais – prevendo a greve, a administração dos TST tratou de fazer as viaturas pernoitar fora das estações e contratou motoristas reformados para as conduzir.
Entre os que conseguiram chegar a Cacilhas, houve os que aproveitaram a ocasião para desabafar com os grevistas da Transtejo o receio que sentiam de afirmar os seus direitos. Uma mulher, após manifestar a sua solidariedade com a greve, contou que o chefe a obrigou a ir a Cacilhas confirmar se não havia mesmo barcos em circulação... Outra, com mais de cinquenta anos, esperou horas (em vão) por uma justificação assinada exigida pelo patrão em caso de falta.
Se os transportes públicos, as escolas e os serviços de saúde foram os sectores cuja paralisação teve mais visibilidade, estiveram longe de ser os únicos. Nos vários piquetes, anunciava-se com entusiasmo as adesões noutras empresas, o que reforçava o ânimo daqueles que, enfrentando a chuva e o frio, passaram a noite, a manhã e o dia a construir a greve geral.
Piquetes e contra-piquetes
Se há quem ache que os piquetes de greve são uma mera formalidade que se desengane. Numa das estações de saída dos autocarros da Transportes Sul do Tejo, na Mutela, o piquete de greve conseguiu impedir que três viaturas se fizessem à estrada – todos os que o tentaram, pelo menos até às nove da manhã. Conversando e convencendo, os membros do piquete levaram a que os motoristas desistissem de sair com os autocarros e abandonassem a estação.
Na SN Seixal (parte da antiga Siderurgia Nacional), assistiu-se a um facto insólito – para além de ilegal. Desafiando o piquete de greve, que vinha convencendo muitos trabalhadores a aderir à paralisação, um director de produção da empresa constituiu-se num autêntico «contra-piquete», abordando os indecisos no sentido de eles entrarem na fábrica. Confrontado pelos membros do piquete de greve, o amarelo chamou a GNR que mais não fez do que identificar os que agiam no quadro da lei – os grevistas.