Medida ilegítima e ineficaz
Uma baixa da taxa social única (TSU) não tem qualquer reflexo positivo na competitividade da economia mas tem um efeito muito grave na sustentabilidade da Segurança Social.
Há uma transferência de riqueza de uns para outros
Esta é a principal conclusão a reter da audição promovida na semana passada pelo Grupo Parlamentar do PCP onde o principal desafio colocado aos presentes – na Sala do Senado da AR estiveram representantes de mais de duas dezenas de entidades, além de economistas e docentes universitários - era o de saber quais os efeitos da diminuição da TSU sobre a economia e o sistema de segurança social.
«Nós organizámos esta audição precisamente com estes dois objectivos: procurar demonstrar - e várias opiniões aqui expressas o fizeram com base em cálculos bem fundamentados - que não há uma relação entre a baixa da TSU e uma maior competitividade da nossa economia, que isso não está demonstrado e não é verdadeiro», afirmou no final o líder parlamentar comunista, Bernardino Soares.
Esse foi um ponto particularmente em foco nos muitos contributos que enriqueceram o debate, moderado pelo presidente da formação comunista, ao longo de mais de duas horas, após as intervenções iniciais do professor do ISEG Manuel Brandão Alves e do economista Eugénio Rosa.
Transferir riqueza
Nunca perdendo de vista o enquadramento político da questão – que as medidas da troika, em nome da crise, implicam «uma transferência de riqueza de uns para outros», o que significa que há uma larga percentagem da população que vai perder e uma outra (pequena) que vai ganhar e muito - o professor catedrático jubilado do Instituto Superior de Economia e Gestão discordou dos que apresentam a redução da TSU como se fosse um «condição necessária e suficiente para o aumento da competitividade». Ora, para atingir este desiderato, considerou, «não é suficiente» e, como «necessária», «não é a mais relevante».
Em sua opinião, o aumento da competitividade pode ser obtido «cortando em qualquer outro elemento da estrutura de custos» das empresas (consumo de matérias primas, consumos intermédios, capital fixo, remuneração do factor organizacional, etc.), que não à custa do factor trabalho.
«Por que é que há-de ser por via da redução dos custos salariais e não há-de ser por via de um aumento da capacidade que a empresa tem para poder negociar no mercado a aquisição de matérias-primas a preços mais reduzidos?», inquiriu, exemplificando.
Acresce, observou, que a diminuição da TSU não vai ser apropriada pelas empresas todas da mesma maneira, tendo em conta que 98 por cento da nossa estrutura produtiva é composta por PME (com menos de dez trabalhadores). Por outras palavras, «uma parte substancial dos fundos que pudessem ser poupados com a redução da TSU iriam traduzir-se em aumento de tesouraria mas não em aumento de competitividade».
Corte nas receitas
Brandão Alves fez contas e concluiu que reduzindo a TSU em quatro pontos percentuais isso equivaleria a qualquer coisa como um aumento médio de 0,86 % do valor bruto da produção, sendo este de 1,7 % se a redução fosse de oito pontos, não indo além de 4,9 por cento caso aquela taxa fosse mesmo eliminada.
«Face a estes valores é expectável alguma mudança significativa na competitividade?», perguntou, antes de apresentar cálculos, por outro lado, quanto ao impacte de uma redução da TSU na Segurança Social.
Se essa redução da TSU se situasse em quatro pontos percentuais, explicou, estaríamos perante «uma redução do orçamento de receitas da Segurança Social de nove por cento», elevando-se esta perda para 18 por cento caso a taxa fosse de menos oito pontos.
«E se falarmos, como já temos por aí ouvido, da eliminação pura e simples da TSU, isso representaria passar as receitas da Segurança Social para menos de metade. O orçamento da Segurança Social reduzir-se-ia em 52 por cento», advertiu.
Sobre a forma de compensar a eventual redução na contribuição para a Segurança Social através do IVA, Manuel Brandão Alves apontou como «desejável», num tal cenário de mexida na TSU, proceder a um «ajustamento na composição dos grupos de bens sujeitos a cada taxa de IVA». Ou seja, especificou, os «bens essenciais» deveriam passar para as taxas mais baixas, «agravando os bens de luxo» para a taxa mais alta.
No debate participaram várias federações e uniões sindicais, associações de reformados, juvenis e de deficientes, estruturas do movimento cooperativo e a confederação do comércio e serviços.
Ataque à Segurança Social e aos direitos
A ideia de que «não é legítima nem eficaz uma redução da TSU», conclusão a que chegou Brandão Alves, foi corroborada por Eugénio Rosa, que ocupou uma parte substancial da sua intervenção a desmontar a justificação ideológica dos que advogam a redução da TSU e a liberalização dos despedimentos.
O reflexo da redução de quatro pontos percentuais da TSU nas empresas exportadoras – 1, 32 % - foi outro aspecto focado por aquele economista para provar o «efeito muito reduzido sobre a competitividade» e concluir que esse acréscimo é «menor que a variação mensal da taxa de câmbio euro/dólar», sendo facilmente absorvido por esta flutuação cambial.
Os custos para a Segurança Social de uma redução da TSU, o agravar da injustiça fiscal com a eliminação das taxas reduzidas e intermédias do IVA, a estrutura da despesa das famílias portugueses, os critérios que presidem às contribuições patronais, a perda de receitas da Segurança Social devido a isenções, evasão e fraude foram outros tantos temas abordados de forma pormenorizada por Eugénio Rosa. Tudo visto e ponderado, concluiu, citando o professor João Ferreira do Amaral, a redução da TSU «é um disparate, pois, não tem credibilidade técnica nem científica».
Dito de outro modo, segundo Eugénio Rosa, não vai aumentar a competitividade das exportações portuguesas, perpetuando, pelo contrário, «o modelo de crescimento de baixos salários», além de agravar a injustiça fiscal, destruindo «a base do sistema contributivo da Segurança Social».
Por isso Bernardino Soares considerou que a redução da TSU acarreta «um efeito sim, e grave, na sustentabilidade da Segurança Social e nos direitos dos trabalhadores, que são garantidos por estas contribuições que fazem parte do seu património e que depois terão efeito em várias prestações sociais e na sua reforma».
«É nesses dois aspectos - não efeito na economia, mau efeito na Segurança Social -, que nós fundamentamos a nossa oposição a esta baixa na TSU», sustentou o líder parlamentar do PCP.