Militante do tempo necessário
A ele regressou amiúde ao longo da vida, não raras vezes fazendo-se acompanhar de amigos e camaradas, que ali, na margem esquerda do Douro, encontravam o que sempre acompanhou Adriano em toda a parte – portas abertas à amizade, à fraternidade e à luta pela liberdade, a democracia, a justiça, o socialismo e o comunismo.
Regressa ao Porto a partir de 1952 para cumprir o ensino liceal, mas mantém em Avintes raízes que ultrapassam o círculo familiar. É naquela vila que cultiva o gosto pelo desporto e pelas artes de palco, e em 1957 está entre os fundadores da União Académica de Avintes, pólo agregador da actividade juvenil progressiva local. Pratica voleibol, desbrava com outros jovens da terra os conhecimentos musicais e cénicos. Regressará sempre que possível a Avintes para jogar, tocar, cantar e representar em festas e iniciativas, mas nunca trará consigo tiques de vedeta nem sobranceria.
Do lado justo
Em 1959, Adriano Correia de Oliveira parte para Coimbra onde se inscrevera no curso de Direito. Os estudos universitários são apenas uma parte da sua existência preenchida. Atleta da secção de voleibol da Associação Académica de Coimbra (AAC), tenor no Orfeão Académico, membro activo do Grupo Universitário de Danças Regionais, do Conjunto Ligeiro da Tuna Académica e do Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra, colaborador dos Cadernos Culturais, coabita intensamente um tempo de viragem em Portugal e no mundo, que percorrerá em digressões colectivas.
Acompanha e participa em acontecimentos tais como os primeiros passos da revolução cubana (1 de Janeiro de 1959), que passa a apoiar para sempre com fervor; a fuga de dez dirigentes do PCP do Forte de Peniche (3 de Janeiro de 1960); a vitória do movimento associativo democrático nas eleições para a AAC (cuja direcção integra a partir de 1962), e para a Associação da Casa de Estudantes do Império, e as movimentações estudantis que culminam com o luto académico de 1962 e com a vaga repressiva do fascismo sobre a juventude progressista; o início da luta armada por parte dos movimentos de libertação nacional em Angola, Cabo Verde e Guiné Bissau, as movimentações militares contra a Guerra Colonial e o assalto ao paquete Santa Maria (1961); o assassinato pela PIDE do funcionário do PCP e artista plástico José Dias Coelho (1961); a vaga de greves do proletariado urbano e rural que fariam do 1.º de Maio de 1962 o maior até então celebrado em Portugal e transformariam o Dia do Trabalhador na mais importante jornada anual de resistência à ditadura, lugar que até então era ocupado pelo 5 de Outubro.
Adriano Correia de Oliveira é desde o início de 1960 membro do PCP. A militância comunista é a sequência lógica da sua entrega inteligente e generosa aos debates e acções dos círculos da resistência antifascista, nomeadamente nas academias de Coimbra e Lisboa, onde o Partido gozava de forte implantação e influência.
A música é para Adriano indissociável do combate ao fascismo e da conquista de uma sociedade sem exploradores nem explorados, que já então sabia ser o objectivo maior da sua vida. É neste contexto que, a par de outros cantores, compositores e letristas seus contemporâneos, impulsiona a revolução nos conteúdos e na estética do fado coimbrão, transmudando-os nas baladas contra a ditadura.
«A canção pode ter uma influência decisiva, mas é complementar, e interessa que a arte, seja qual for, reflicta exactamente aquilo que se está a passar em cada sociedade. Se não, não é útil e falha substancialmente. Não corresponde à sua função», considera.
Os discos «Noites de Coimbra» (1960), «Balada do Estudante» (1961), e dois intitulados Fados de Coimbra (1961 e 1962) provocam furor. Adriano não se acobarda. Nunca se acobardará. Entrega-se de corpo e alma fazendo o canto participar na luta, conduta que não só não abandona, como cumpre vincadamente até ao limite da sua presença física entre os revolucionários.
Quando em 1963 grava o álbum «Trova do Vento que Passa», Adriano Correia de Oliveira vive na república Rás-Ta-Parta, que é, simultaneamente, a sede da candidatura democrática às eleições para a AAC. «Foi a partir do acolhimento de uma canção como “A Trova do Vento que Passa” que comecei a sentir que estava do lado justo, do lado antifascista», dirá.
Presença imponente e destemida
A casa de Adriano é permanentemente a casa da luta, e até ao 25 de Abril de 1974 está à disposição do Partido para reuniões e estadias clandestinas de camaradas perseguidos pela PIDE/DGS.
Quando casa com Maria Matilde Leite, em 1966, mãe dos seus dois filhos, Isabel e José Manuel de Oliveira, Adriano Correia de Oliveira muda-se definitivamente para Lisboa. Com discos como «Lira» e «Menina dos Olhos Tristes» (1964), «Elegia» e «Adriano Correia de Oliveira» (1967), «Rosa de Sangue» (1968), «O Canto e as Armas» (1969), «Cantaremos» (1970), «Cantar da Emigração» e «Gente de Aqui e de Agora» (1971), «Batalha de Alcácer Quibir» e «Lágrima de Preta» (1972) ou «O Senhor Morgado» (1973), continua a aliar a música e a luta antifascista.
Apesar da sua incorporação no serviço militar (1967 a 1970) e das ameaças de envio para a frente de combate – para onde os «subversivos» eram geralmente destacados –, pese embora a vigilância apertada da polícia política fascista e das proibições de saída para o estrangeiro, das obrigações profissionais no Gabinete de Imprensa da FIL e enquanto produtor na Orfeu, Adriano Correia de Oliveira impõe a sua presença política imponente e destemida até à Revolução dos Cravos.
Canta para estudantes e, neste período, cada vez mais para as amplas massas trabalhadoras em colectividades ou salas de espectáculo, onde for possível. «Ao querermos intervir em determinada luta com uma canção que a possa reflectir, isso pode significar substituir o factor dominante que é a luta política e não a traduzir em termos exactos. A canção pode perfeitamente apreender o sentido dessa luta, mas também pode acontecer o problema de a exprimirmos ideologicamente e até factualmente de uma forma errada. O caminho que essa luta deve seguir deve ser definido pela classe operária, pelos trabalhadores e não por nós: poderia haver o risco de estarmos a cair numa situação falsa e de induzirmos as outras pessoas em erro», disse.
Solidariza-se com as lutas, as grandes e as pequenas. Desafia a repressão proferindo discursos políticos entre canções que contêm críticas à ditadura fascista, abertas ou tecidas nas entrelinhas. Canta em comícios nas «eleições» de 1969 e em sessões de listas apoiadas pelo PCP para associações académicas. Está presente nos congressos da Oposição Democrática de 1969 e 1973.
Enfrenta a censura, que irada interrompe de supetão a transmissão televisiva do espectáculo de uma queima das fitas em Coimbra, que destilando ódio de classe manda a polícia encerrar com violência um concerto de recepção ao caloiro na Faculdade de Medicina de Lisboa, que de cabeça perdida suspende um directo de Adriano num programa da Emissora Nacional, para o qual havia convidado Zeca Afonso, igualmente odiado pelo regime.
A canção de intervenção assume o seu papel na história de Portugal e Adriano Correia de Oliveira é distinguido, em 1969, com o prémio Pozal Henriques, que à época constituía o maior galardão da chamada música ligeira nacional. «Para mim, a distinção não foi individual. Considero que representa o reconhecimento de determinados processos de uma tentativa de renovação da música popular actual. Por isso chamei ao palco todos os que colaboraram quer nas músicas quer nas letras que nesse disco [«O Canto e as Armas»] interpreto. A minha intenção seria chamar, se pudesse, todos os que neste momento colaboram na renovação da música portuguesa. O prémio é, para mim, dedicado a todos eles», dirá a propósito.
Quando a 29 de Março de 1974 Adriano Correia de Oliveira participa num concerto, realizado no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, intitulado Primeiro Encontro da Canção Portuguesa, no qual participam, entre outros, Barata Moura, Vitorino, José Jorge Letria, Fausto, Manuel Freire, Zeca Afonso, Fausto, Carlos Paredes, Ary dos Santos e Manuel da Fonseca, já cheira a Abril. Já se vislumbra o projecto emancipador ao qual Adriano Correia de Oliveira viria a dedicar o melhor das suas forças.
Cantar Abril, projectar o Partido
Conquistado o tempo novo após a derrota da ditadura fascista, Adriano Correia de Oliveira lança o álbum «Que Nunca Mais» (1975), trabalho com direcção musical de Fausto e poemas do seu camarada Manuel da Fonseca que lhe vale a distinção de Artista do Ano pela Music Week. Prémios e galardões congéneres podiam (e podem) insuflar alguns, nunca um homem como Adriano Correia de Oliveira.
«Pratico aquilo que digo na canção. É uma condição fundamental. O importante é que na vida haja coerência absoluta. Os cantores têm a obrigação de se comportar de acordo com o que cantam, embora não mais do que o indivíduo que ouve e adere à canção. O objectivo é que a canção pertença a todos. Eu, por exemplo, no meu comportamento pessoal de vez em quando falho. Com certeza que as outras pessoas também. O que não quer dizer que eu não me reprove quando isso acontece. Onde eu estiver quero ser eu», salienta.
Até à data da sua morte, edita «Para Rosália» (1976), «Notícias de Abril» (1978» e «Cantigas Portuguesas» (1980); funda o Colectivo de Acção Cultural e as editoras Cantabril e Era Nova; participa no I Festival da Canção Livre, nas comemorações do 10.º Aniversário da CGTP-IN e em iniciativas de solidariedade para com os trabalhadores e os povos em luta; integra a Comissão Organizadora da primeira Festa do Avante! e não faltará a nenhuma enquanto viver. E não apenas para cantar, mas para fazer o que for preciso no quadro do colectivo a que tinha orgulho de pertencer.
Acima de tudo e sobretudo, Adriano canta Abril, canta para o povo, canta as suas conquistas, realizações e propósitos. Canta em palcos com aparelhagens profissionais ou em cima de carros de bois. Tanto faz. Canta para muitos e para poucos.
Calcorreia o País sem regatear cansaço ou retribuição material. De Norte a Sul leva a bandeira comunista a multidões operárias nas cidades e nos campos da Reforma Agrária, a pequenos grupos de afoitos que nos locais mais hostis ao Partido não se amedrontam perante as ameaças do clero reaccionário, dos grupos terroristas e dos provocadores a mando do capital contra-revolucionário.
«A única luta pelo poder em que estou empenhado é a luta para que o povo português tome o poder e que nessa luta tenha um papel determinante a actividade do aparelho político organizado que é o PCP, a que pertenço», sublinhou.
Arrasta consigo e forma nessas jornadas muitos intelectuais sem verniz, muitos músicos comprometidos com Abril e os ideais revolucionários. Uns manter-se-ão fieis à experiência, embora não poucos com vacilações mais ou menos prolongadas. Outros a renegarão por completo.
No espaço de oito anos, multiplica amigos e camaradas por onde passa, seja entre a gente simples trabalhadora do Portugal de Abril ou nas digressões aos países socialistas e aos continentes africano e americano.
Os dois últimos espectáculos de Adriano Correia de Oliveira foram precisamente em duas iniciativas do Partido Comunista Português e ilustram o que acima se disse sobre a sua coerência e disponibilidade militantes. No final do mês de Setembro cantou em Mondim de Basto, no distrito de Vila Real. Uma semana antes de sucumbir a uma hemorragia esofágica, a 16 de Outubro de 1982, esteve no Barreiro cantando novamente para os militantes comunistas.
Também por isso os militantes comunistas, o seu Partido e o seu Órgão Central jamais esquecerão Adriano Correia de Oliveira, o homem que soube estar à altura do significado da palavra camarada.
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Fontes:
Avante! n.º 1767 de 11 de Outubro de 2007
Avante! n.º 1740 de 5 de Abril de 2007
Avante! n.º 459, Série VII e Suplemento n.º 25 de 21 de Outubro de 1982
«Adriano Presente!», Editora Ausência, Vila Nova de Gaia, 1999