Crise e democracia

Albano Nunes

O grande capital prepara-se para o pior e joga cada vez mais na limitação e liquidação de liberdades e direitos fundamentais

Vivemos tempos sombrios em que a natureza exploradora, opressora e agressiva do capitalismo tende a manifestar-se sob formas cada vez mais agudas. Desde logo porque continuam vivas as consequências das derrotas do socialismo com a violenta ofensiva do imperialismo para recuperar posições perdidas ao longo do século XX. Depois porque, no quadro do aprofundamento da sua crise estrutural e sistémica, o sistema capitalista atravessa uma prolongada crise cíclica de sobreprodução e sobreacumulação para a qual só vê uma saída: a intensificação da exploração dos trabalhadores, a recolonização dos povos da periferia capitalista, a apropriação e delapidação dos recursos naturais do planeta. O que, a par da centralização e concentração do capital, que a própria crise favorece, e da consequente redução da base social de apoio do poder monopolista, só pode conduzir à agudização das contradições de classe e nacionais, ao crescimento da resistência e da luta popular por todo o mundo, à emergência de processos progressistas e revolucionários, como está a acontecer na América Latina.

Perante esta realidade ameaçadora, as classes dominantes, agitam o espantalho do «terrorismo» (que na sua terminologia amalgamam com «extremismo», «radicalismo» e «rebeldia»), tomam medidas de carácter securitário, intensificam a repressão, teorizam sobre a necessidade de trocar direitos fundamentais duramente conquistados por «segurança» e «estabilidade». A brutal regressão social e civilizacional que pretendem impor ao mundo é incompatível com o exercício «liberal/democrático» da sua ditadura de classe, e os centros do imperialismo, ao mesmo tempo que persistem no anticomunismo e banalizam o avanço de forças racistas e fascistas, elaboram e praticam uma concepção do «estado de direito» burguês cada vez mais musculada no plano interno e mais arbitrária, agressiva e criminosa no plano externo que, tirando partido das mais avançadas conquistas da ciência e da técnica, encerram ameaças sem precedentes para a liberdade. A recente revelação dos sofisticados mecanismos de espionagem realizadas pela NSA norte-americana com a colaboração da Google, Microsoft, Apple e outros potentados de serviços na Internet, vem alertar para os perigos a que estão expostos os cidadãos e os povos de todo o mundo.

Perigos que os arautos do capitalismo estão a tentar esconder e até negar, mas que são tanto mais reais quanto têm raízes económicas profundas. Confrontado com a inexorável tendência para a baixa da taxa de lucro, com a situação de estagnação e recessão em que mergulharam as principais economias capitalistas e a evidente incapacidade do sistema para dar resposta aos problemas e aspirações dos trabalhadores e dos povos, o grande capital prepara-se para o pior e joga cada vez mais na limitação e liquidação de liberdades e direitos fundamentais. O próprio reforço de estruturas e políticas supranacionais determinado pela transnacionalização do capital, espezinhando a soberania de países como Portugal, só pode ser imposta por via coerciva, questão que está bem patente no carácter crescentemente anti-democrático da União Europeia, e num vasto conjunto de medidas ditas de «segurança», em que a articulação com a NATO e com os serviços secretos norte-americanos desempenha crescente papel.

A nossa luta por uma política e um governo patrióticos e de esquerda, pela rejeição do pacto de agressão e pela ruptura com o processo de integração capitalista europeu, é simultaneamente uma luta internacionalista pela liberdade e a democracia.



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