Da transmissão e mistificação

João Pimenta Lopes

O Parlamento Europeu é-nos sempre apresentado como uma instituição que salvaguarda a «democratização» dos processos e orientações políticas da UE. Contudo, a prática demonstra que o PE se assume sobretudo como uma correia de transmissão dos interesses do capital, contribuindo para legitimar, por antecipação ou a posteriori, as políticas que assaltam direitos aos trabalhadores, que esbulham a soberania dos povos, ou que promovem a agressão externa. São inúmeros os exemplos que confirmam esta afirmação, e a sessão do PE que decorre por estes dias não escapa a este retrato.

Nesta sessão será muito provavelmente aprovado um pacote de três regulamentos, que dá pelo nome de Pacote de Mobilidade. Nele se redefinem as orientações relativas ao transporte internacional de mercadorias no que diz respeito às operações de cabotagem (de forma simplificada, operações suplementares no país de destino), ao destacamento dos trabalhadores (que define as regras para aqueles que estão a trabalhar fora do seu país) e às regras de descanso dos trabalhadores do sector. Trata-se do culminar de um processo que leva já mais de dois anos, que foi travado pela luta dos trabalhadores, mas que antes das eleições se forçou para negociações interinstitucionais (com a Comissão Europeia e o Conselho Europeu). O dito pacote, sobre o qual os deputados do PCP no PE se pronunciaram então, denunciando os seus prejuízos para os trabalhadores, será agora fechado, num acordo ainda mais recuado que a proposta aprovada no Parlamento Europeu (já então negativa). Períodos mais longos de permanência fora do país de origem e regras de destacamento que penalizam ainda mais os direitos laborais são apenas duas marcas deste acordo. Pagam os trabalhadores, ganham os patrões, e beneficiam-se os países do norte e centro da Europa com mão de obra barata.

Ao mesmo tempo que o Parlamento Europeu contribui para a exploração dos trabalhadores, cumpre o outro papel de mistificação da realidade, fazendo várias vezes muito alarde de modo a que tudo fique na mesma. A aprovação de mais uma resolução sobre o branqueamento de capitais é disso exemplo. Além de um enquadramento centrado quase exclusivamente numa dimensão supranacional do combate ao branqueamento de capitais, a integração desse combate no Semestre Europeu, promovendo a lógica de sanções aos Estados-Membros que não cumpram com os sucessivos instrumentos legais que a UE for produzindo, tem ainda a absurda proposta de defender que esse combate se reforce por via da criação de Parcerias Público-Privadas.

Acresce ainda a ausência de qualquer referência ao fim dos paraísos fiscais, desde logo na UE, da necessidade da taxação dos movimentos de capitais ou do controlo público da banca e do sistema financeiro. Também aqui os deputados do PCP no Parlamento Europeu assumirão todas as oportunidades de que disponham, para denunciar, por via de propostas concretas, a hipocrisia reinante nestas propostas que não alterando as questões de fundo, garantem que as grandes multinacionais possam continuar a beneficiar dos instrumentos que a UE coloca ao seu serviço e que lhes permitirá a fugir às suas responsabilidades.




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