A tenda e o circo

Henrique Custódio
Escassas horas após se conhecer os resultados das eleições legislativas do passado dia 27 de Setembro – que, como se sabe, despenharam o PS de uma arrogante maioria absoluta para uma indigente maioria relativa -, três ocorrências foram desencadeadas em sucessão e a partir de uma referência comum – o famigerado défice orçamental.
Primeira ocorrência, o Instituto Nacional de Estatística (INE) publica a sua estimativa do défice orçamental deste ano, situando-o em 5,9%.
Segunda ocorrência, o mesmo INE, de seguida, comunica estas previsões ao Eurostat, o gabinete de estatística da União Europeia.
Terceira ocorrência, nesse mesmo dia a Lusa publica a notícia de que a Comissão Europeia irá abrir, em Novembro, um «novo procedimento» contra Portugal por causa do «défice excessivo» (por ultrapassar os 3%), ficando o nosso País, desde já, sob «vigilância orçamental».
Cronometragem assim tão perfeita, geralmente só costuma ocorrer nos eventos desportivos.
Repare-se no mimo.
As previsões do INE sobre o défice deste ano, apesar de, necessariamente, estarem realizadas e concluídas antes da data em que foram publicadas em Portugal, só foram anunciadas depois de realizadas as eleições legislativas, e nem um minuto antes disso.
A comunicação oficial destas previsões ao Eurostat foi formalizada pelo INE, de imediato e na decorrência da comunicação nacional.
A decisão da Comissão Europeia em colocar Portugal sob «vigilância orçamental» foi comunicada também de seguida, após a comunicação oficial do INE, como uma sobremesa antecipadamente pronta e só à espera da ordem para ser servida.
Entretanto, este regresso em força do famigerado «défice orçamental», quando estamos a escassos dias de eleições autárquicas, não augura nada de bom para o Poder Local. Não somos nós a dizê-lo ou a inventá-lo: é a amarga experiência dos últimos quatro anos de Governo Sócrates a prová-lo.
Na verdade, convém lembrar que foi este Executivo do PS/Sócrates que, respaldado na sua maioria absoluta, impôs a nova Lei das Finanças Locais (a Lei n.º 2/2007), cujo objectivo central foi reduzir ainda mais as transferências financeiras para as autarquias e impor limites draconianos às possibilidades de endividamento. Esse lamentável episódio legislativo foi todo conduzido pelo então ministro António Costa, há dois anos presidente da câmara de Lisboa e que, nessas novas funções, teve de engolir o seu próprio «veneno» quando quis que o Governo lhe permitisse um novo endividamento camarário de 500 milhões de euros, que a «sua Lei» impediu liminarmente...
Recorde-se, igualmente, que também nessa altura o PS «justificou» esse ataque maciço contra as autarquias, através da tal nova Lei das Finanças Locais, invocando o seu famoso «combate» ao défice orçamental.
A táctica ficou sobejamente conhecida.
Primeiro, vêm os «organismos oficiais» a lançar números e ameaças, depois avança o Governo a afirmar-se «forçado» a aplicar cortes no investimento público, nos apoios sociais, nos salários e nos postos de trabalho da administração, nos serviços públicos, na deterioração do SNS, da escola pública, das reformas e pensões e etc. etc.
Como se vê, a tenda para «o circo do défice» já está a ser montada outra vez. E pelos mesmos trampolineiros.


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