Persistem obstáculos à fiscalização
O Parlamento rejeitou faz hoje oito dias, com os votos contra do PS, PSD e CDS, o projecto de lei do PCP que defendia um outro modelo para o exercício dos poderes de controlo e fiscalização da Assembleia da República sobre as secretas, alterando simultaneamente o regime do Segredo de Estado. Um diploma do BE sobre a mesma matéria teve igual desfecho.
Com esta votação dos quadrantes à direita do hemiciclo, travada foi assim uma iniciativa que permitiria remover os constrangimentos que têm existido à acção fiscalizadora directa do Parlamento sobre os serviços de informações.
Como salientou na apresentação do diploma o deputado comunista António Filipe, a Assembleia da República «tem uma responsabilidade constitucional que não pode alienar mas que depara hoje com obstáculos legais muito sérios ao seu exercício».
Têm sobretudo a ver, explicou, quer com o modelo de fiscalização dos serviços de informações quer com o regime legal do Segredo de Estado, aprovado em 1994, e que se afigura hoje «manifestamente inadequado».
E por isso a proposta do PCP de extinguir os actuais dois órgãos fiscalizadores (um, o Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informação da República, cuja acção se tem revelado ineficaz; o outro, a Comissão de Fiscalização do Segredo de Estado, criada há 17 anos mas que nunca funcionou), criando em sua substituição uma comissão, ao mais alto nível do Parlamento, de controlo e fiscalização do sistema de informações e do Segredo de Estado.
Preconceitos
Foi este novo modelo de fiscalização democrática, num contexto em que se têm avolumado os casos anómalos vindos a público envolvendo as secretas, que foi inviabilizado, com o PSD, pela voz da deputada Teresa Coelho, a justificar a sua posição com questões de oportunidade, dizendo que «não estão criadas as condições adequadas à exigente ponderação a que a matéria obriga», e o CDS/PP, por intermédio de Telmo Correia - não obstante reconhecer «antecedentes e história» ao diploma comunista, distinguindo-o do apresentado pelo BE -, a objectar, alegando um «preconceito de princípio» do PCP contra as secretas e o Segredo de Estado.
O que António Filipe rejeitou com veemência, lembrando que se a sua bancada tivesse «preconceitos de princípio» não teria apresentado em 1993 um projecto de lei sobre Segredo de Estado nem em 2004 um projecto de lei-quadro sobre os serviços de informações.
E devolveu a acusação, frisando que quem tem «preconceitos de princípio» é o CDS «quando diz que o PCP não pode ter acesso à fiscalização dos serviços de informação, porque é comunista».
«Esse é que é o problema», reforçou, estabelecendo a fronteira: «é que os senhores acham que deve haver serviços de informações e nós também; só que nós achamos que as forças democráticas representadas no Parlamento têm de ter possibilidade de exercer os seus poderes parlamentares de fiscalização e os senhores acham que só os partidos do Governo é que têm acesso à fiscalização dos serviços de informações».
Pretextos falsos
O argumento de «oportunidade» invocado pelo PSD foi também contestado pelo deputado comunista, que recordou ter sido esta a nona vez que o PCP trouxe ao Parlamento a discussão do problema da fiscalização das secretas. Pelo que, concluiu, de duas uma: «a questão não é oportuna porque se fala muito dos serviços de informações e não se pode legislar a quente; ou a questão não é oportuna porque não se passa nada e não se vê necessidade de alterar seja o que for».
Ou seja, «estamos presos por ter cão e presos por não ter», concluiu, observando que enquanto assim for «andam listas de 'compras' a passear pelos órgãos de comunicação social (com listagens de comunicações telefónicas de um jornalista), andam relatórios de mail em mail a passear pelo ar (a falar de metais preciosos e de empresários russos), tudo alegadamente feito no âmbito do SIED [Serviço de Informações Estratégicas de Defesa]».